Morrer, morreremos todos – fato que sequer terraplanista nega. O que pega é a dor que a morte anuvia. Venho de uma semana dolorida e a dor maldita abraça a morte de minha amada Taíse.
Há que se vivenciar a morte para saber da dor (ouvi isso, não lembro onde), ainda que não exista saber na dor. O saber liberta, a dor aprisiona e o fatalismo de uma vida finita, onde nascemos sob o signo da morte, há muito me incomoda.
Fato é: amo viver. Amo meu inverno entrecortado de veranicos, onde a chuva da primavera anuncia a última folha do outono, enquanto os dias empilham a falência de nosso corpo, ensinando o caminho da morte para o bem de nossas vidas.
Viver, a toda evidência, é caminhar para o fim – e isso é tão triste quanto Gigliola Cinquette poetizando que não tem idade para amar, como se a idade que permitiu Renatinho partir aos nove impedisse Gigliola amar.
Tenho uma questão com a morte, todavia, que não se realiza na bruma dos que vão à paulista com a bandeira do governo de extrema direita de Israel, dizer que apoiam netanyahu e seu governo genocida porque os judeus seriam cristãos feito os evangélicos de malafaia.
A morte segue seu caminho de desilusão enquanto nós nos curvamos a falência de nossa época, pródiga em desconhecer a dor dos Palestinos ao tempo em que novos cristãos judeus emergem do asfalto da paulista, inaugurando uma avenida de ignorância histórico civilizatória em minhas lembranças do final de tudo.
Os deuses devem estar brincando conosco – não fosse assim será que a paulista cantaria Vandré pedindo por um golpe militar?
Você sempre me vencerá, oh morte certa. Mas saiba que não lhe amarei, nem em meu último suspiro. Você levou meu grande amigo (João Pau Velho, o fausto pescador de minhas histórias contadas pelo seu neto João), levou a leveza de minha amada outra mãe (Lídia Lobo, uma alcatéia de delicadeza em minha vida), levou tanto que não ouso lhe conceder medo ou respeito – quero, entrementes, que a finitude de nossas vidas seja um phoda-se gigante ao desencanto existencial, seja lá em nome de quem a cortina desça.
Quero mais – muito mais.
Mais dias, mais lembranças, mais remorsos, mais fantasias, mais ópera, mais fantasmas, mais Piazzolla, mais Franciscos – mais tudo e tudo mais, enquanto o desengano existencial não me alcance em nome da sanidade mental que atormenta alguém chamado locco há tanto tempo.
Quero que o asfalto de minha avenida mítica não sinta o peso do gado que a assaltou domingo passado, em nome da conexão malafaia netanyahu, pregando um cristianismo de aluguel, precificado nas caldeiras do inferno em contrato firmado com belzebu, sob os estandartes que a ignorância propicia, enquanto as marquises cinzas de um mundo multicor cobram o preço do não saber, impondo a ruina circunstancial de uma época de desvalor científico e apego falso moralista.
Quero não chorar pela Argentina – que tanto amo.
Quero não lembrar de Taíse garotinha em meu colo, aninhada na fala de amor que nos abraçou e só vim saber quando peguei João e Isabeau em meus braços, sentindo o que é amar e lembrando para a morte porque amo viver e porque não a respeito.
Quero que Desirée não se canse de mim, porque eu estou em uma toada que fez cansar e porque ela sempre será aquela que me ensinou amar.
Quero que Márcia e Renato não sintam tanta dor – ainda que isso seja uma utopia chamada Renatinho adeus.
Quero que as pessoas pensem antes de atender a um chamado de interesse, porque foi usando o berrante que o peão abasteceu o curral que levou o último boi ao caminho do abate.
Quero e espero que as bombas todas que caem em Gaza caiam, um dia, na cabeça de malafaia, em seu inferno privado, onde o anjo caído lhe cobrará um dízimo de sangue para alimentar o medo de uma vida de opressão em nome de seu deus de aluguel.
Quero tanto que Eleanor encontre o caminho da lembrança, vestindo as fantasias todas que vestimos quando tomamos os tragos para suportar a comunhão dos iguais, em uma missa marcada pela assunção de um Deus opressor que mitigue as belezas de viver na promessa deslembrada da morte, sob o sol de Liverpool.
Quero que as cores sobrepujem a ideia de um mundo sem cor, para que os pastores neopentecostais todos possam imaginar um brilho de aluguel, suportável no dízimo da opressão que sopra o berrante enquanto o gado caminha para o aperfeiçoamento de um Jesus amado pelos que o crucificaram.
Quero uma última dança, onde as belezas da vida façam esquecer a morte e a dor da morte pela voz de Mick Jaguer cantando Paint it Black, enquanto Amy Winehouse volta para o preto (back to black) e Alice possa andar pela estrada de tijolos amarelos ouvindo Elton John.
E você nisso tudo Taíse? Queria que estivesse junto a mim, com sua tia e seus primos. Mas a vida não escolheu assim e a morte venceu, vencendo na dor a lembrança da fantasia vivida de dias de alegria e beleza, onde o bom da vida sempre será gauche e o próximo um irmão e não uma pequena mais valia na ordem do dia.
A dor segue desenhando minhas lembranças, enquanto enterro saudade e mitigo esperança.
De sua vez, memória e desejo suspiram o brilho da aurora em meus dias de enterrar e chorar, enquanto o gado atende ao reclamo do tempo passando e levando quem amo.
Não há sombra. O sol é para cada um uma realidade vívida e distante – ainda que não aqueça os corações solitários além das ignorâncias de ocasião, na pia batismal de um século negacionista e covarde.
Amar morre um pouco (muito) com você, Taíse, já que o fantasma da liberdade cobrou seu voo além das nuvens, enquanto abraçava o fim do dia, como quem vira no copo a angústia solta na espuma da derradeira Brahma.
Assim é que a vida segue. Urgente, deslembrada, derretida e a caminho de nossa morte.
Peço apenas mais tempo, para poder viver o que projetei viver com a mulher que amo e com os filhos que me fazem, a cada dia, um homem mais feliz e melhor.
Saudade Pai!
João Locco
João dos Santos Gomes Filho, mais conhecido pelo apelido João Locco. Advogado, corintiano, com interesse extraordinário em conhecer mais a alma e menos a calma.