O “banco do chico” entrou na minha história assim que menstruei. No final dos anos 1960 absorventes higiênicos não faziam parte da realidade das mulheres brasileiras e o normal era usarmos as chamadas toalhinhas higiênicas, um combinado de paninhos e algodões que nos deixavam em extrema vulnerabilidade e desconforto.
Em idade escolar, a prática de educação física virou um trauma, pois existiam três opções: a falta, que se acumulada nos reprovava, o “banco do chico” (um banco de madeira colocado ao lado da quadra) que denunciava a todos no colégio que estávamos “naqueles dias” ou participar da aula e manchar o uniforme, um vexame ainda maior. Já adulta e com acesso aos cuidados com a menstruação, o medo de manchar a roupa sempre me acompanhou.
Após o lançamento do “Programa de Proteção e Promoção da Saúde e Dignidade Menstrual” pelo Ministério da Saúde, eu tenho ouvido opiniões diversas e conflitantes, então vamos aos fatos.
A pobreza menstrual é definida como a falta de condições de realização da higiene menstrual de forma adequada, em razão da dificuldade de acesso aos insumos menstruais (absorventes, coletores e calcinhas menstruais), falta de acesso à infraestrutura e serviços de saneamento básico e, também à falta de informações e conhecimento a respeito do tema. Ela atinge pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade, como moradoras de rua e mulheres em privação de liberdade. Entre as adolescentes, uma das consequências da pobreza menstrual é a evasão escolar.
Um estudo realizado no Brasil, pelo Unicef em 2021, relata que 713 mil meninas vivem sem acesso a banheiro com chuveiro e sanitário em casa, mais de 4 milhões não têm acesso a itens mínimos de cuidados menstruais nas escolas, como absorventes, sabonetes, papel higiênico e instalações básicas nos banheiros, 62% afirmaram que já deixaram de ir à escola ou a algum outro lugar de que gostam por causa da menstruação e 73% sentiram constrangimento nesses ambientes.
É difícil não lembrar do “banco do chico” nesse momento. Existem relatos de abstinência escolar de meninas que chegam a até 45 dias ao longo do ciclo escolar. Se você pensar no conteúdo perdido nesse período e na situação de constrangimento ao ter a sua vulnerabilidade social exposta, isso afeta não só as jovens e todas as mulheres que menstruam nesse período, mas também a família.
Na busca por proteção menstrual, meninas e mulheres recorrem a alternativas como o uso de papel de jornal, palha, sacos de supermercado, papel higiênico, pedaço de tecido e até miolo de pão, o que causa além do desconforto, riscos à saúde pela possibilidade de facilitar o aparecimento de alergias e infecções, podendo vir a comprometer a saúde reprodutiva dessas pessoas.
O Governo Federal, através do programa Farmácia Popular, está disponibilizando gratuitamente, a partir de agora, absorventes para a população em vulnerabilidade social. O item está disponível em mais de 31 mil unidades credenciadas em todo o país. A oferta é direcionada para estudantes da rede pública de baixa renda, pessoas em situação de rua ou em vulnerabilidade extrema. Pessoas em unidades de sistema prisional também serão contempladas pelo programa.
Eu sei que isso é apenas o início, não é a solução definitiva do problema, não vai resolver todas as questões porque temos milhões de pessoas que menstruam em nosso país, mas a partir do momento que esse programa começa a acontecer, a gente começa a acreditar que a informação está sendo divulgada e que o “banco do chico” e a evasão escolar fiquem no passado.
Texto: Dermatologista Dra. Lígia Márcia Martin