“Nós somos o que comemos” é uma sentença conhecida. E vai além. A forma que nos alimentamos, seja pelos tipos de alimentos, pelos locais onde buscamos ou forma como produzimos e coletamos, determinam a maneira de viver. Nesse sentido, num mundo de produção de mercadorias para venda e consumo, a alimentação é vista como fonte de lucro. E, se tudo é submetido à produção industrial, o pão nosso de cada dia também será produzido assim. Cada vez mais nossa dieta cotidiana fica dependente de produtos industrializados.
Via de regra a indústria alimentícia segue a lógica da produção capitalista. Ou seja, minimizar custos e maximizar lucros. Quando se produz chinelos isso não tem muita consequência, mas alimentos sim. São inúmeros os estudos que relacionam, por exemplo, as taxas de obesidade nos países ocidentais, Brasil incluso, com industrialização de alimentos. Não é difícil perceber que os alimentos mais ofertados nos supermercados são aqueles ricos em carboidratos simples, de pouco valor proteico e muito calóricos. Calorias vazias à base de farinha refinada (bolachas, pães, bolos e doces), com alto teor de gordura. E pouca proteína. Há uma lógica nisso.
Os alimentos à base de carboidratos são mais baratos, mais fáceis de armazenar, são pouco perecíveis (um pacote de bolacha pode permanecer em estoque por muitos meses). Por outro lado, proteínas, além de mais caras, são mais difíceis de conservar. Precisam de geladeiras, cuidados constantes e caros e com alto risco de deterioração. Sem contar que o preço dos alimentos de alto teor proteico é muito mais alto, por isso vende menos.
A industrialização dos alimentos começou no final do século XIX (Nestlé e Heinz estão entre as mais antigas) com uma dupla vantagem. A primeira, claro, maximizar lucros e a segunda, ao liberar a mulher a tarefa doméstica de alimentar a família, liberava um contingente grande de trabalhadoras, aumentando a disponibilidade de mão de obra. Interessante lembrar que alimentos industrializados, que faziam parte do cotidiano das famílias norte-americana, só chegaram à mesa dos países europeus a partir dos anos 60 do século XX. Ou seja, bem depois da Segunda Guerra.
No Brasil, a disseminação dos alimentos industrializados e principalmente os chamados ultraprocessados mostra seus efeitos nas estatísticas. Mais de 50% da população com sobrepeso, índices alarmantes de hipertensão arterial, aumento dos casos de diabetes tipo II. Que são marcadores de risco de doenças cardiovasculares. Vale lembrar que são doenças incapacitantes e diminuem a expectativa de vida.
No livro “País fast food” o jornalista Eric Scholesser, faz uma investigação detalhada e instigante da cultura fast food. Vale a pena a leitura. Não se trata evidentemente de criminalizar a indústria alimentícia. Há ganhos na conservação, na qualidade sanitária de alimentos. Mas trata-se de maior controle de saúde pública e sobretudo educação e orientação sobre o que consumir e o que não. Daí a sabedoria do alerta: “Descasque mais, desembrulhe menos”.
Texto: Dr. Marco Antônio Fabiani, cardiologista