Quando se observa a última série histórica da taxa oficial de ocupação e desocupação no Brasil (2012-2023) o que se deduz é que o desemprego no país sempre esteve, de algum modo, sob relativo controle. O pior índice da série ocorreu em 2020, em meio à pandemia; naquele ano, a desocupação oficial chegou a 14% da população em idade para trabalhar – um percentual modesto, considerando a crise sanitária. Na situação atual, um dado pretensamente otimista divulgado nos últimos dias pelo monopólio de imprensa nos chama a atenção: o patamar médio de desemprego em 2023 ficou em 7,8%, o menor desde 2014.
Sobre isso é preciso ser rigoroso: essa informação é uma mentira tão cabeluda que nos insulta a inteligência. Os dados divulgados mensalmente sobre desemprego, tanto o pior quanto o melhor deles, são fabricados por uma metodologia cuidadosamente pensada com o objetivo de falsificar a realidade e ocultar o verdadeiro grau de decomposição econômica e o tamanho do exército industrial de reserva no país.
Para situarmos o leitor, a principal pesquisa responsável por coletar informações de renda e ocupação no país é a Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua (PNAD-C), realizada pelos agentes do IBGE através de entrevistas domiciliares. O problema está na maneira como os dados obtidos através da coleta são tratados e analisados. Observe o gráfico abaixo, retirado do último documento de indicadores1 da PNAD-C, relativo ao último trimestre de 2023:
No gráfico, o dado que é utilizado pelo monopólio de imprensa e pelo próprio IBGE para retratar o desemprego do país é o de pessoas desocupadas, atualmente na faixa de 8,3 milhões de brasileiros e que corresponde a um segmento de pessoas sem ocupação, mas que efetivamente procura por trabalho. Entretanto, há uma massa de 66,8 milhões de pessoas que não são consideradas nos dados divulgados de desocupação, inseridas na controversa categoria de “pessoas fora da força de trabalho”. Segundo o IBGE, essa categoria diz respeito às pessoas que não estão trabalhando e também não procuram trabalho por motivos diversos, sejam esses de estudo, saúde, idade, ocupação com tarefas domésticas/familiares ou então os que são parte da força de trabalho potencial, uma subcategoria de pessoas que desistiram de procurar trabalho, mas gostariam de trabalhar, como é o caso dos desalentados.
Aparentemente, não há um esforço por parte do Instituto em sistematizar e divulgar amplamente as razões pelas quais essa massa de gente está fora da força de trabalho, mas para sermos sensatos e demonstrar boa vontade, podemos deduzir desse número os adolescentes de 14 a 17 anos que, em tese, devem estar estudando e também a população com 60 anos ou mais de idade. A primeira parcela corresponde a 10,1 milhões² de pessoas e a segunda a 25,7 milhões de pessoas³. Deduzidas ambas as parcelas, resta ainda um contingente de aproximadamente 31 milhões de pessoas fora da força de trabalho, uma massa que não busca trabalho e que não entra nos dados oficiais de desemprego sem qualquer justificativa plausível.
As mulheres apagadas das estatísticas
Outro dado importantíssimo é que 65% da massa total de pessoas fora da força de trabalho é composta por mulheres⁴. Apesar de ser necessário realizar um cruzamento de dados mais complexo para chegar ao número aproximado, é seguro afirmar que uma parcela significativa dessas mulheres não é contabilizada nos dados oficiais de desemprego por terem obrigações domésticas e familiares que as impedem, ou seja, não procuram trabalho por estarem ocupadas com essas tarefas e, portanto, não incorporam o volume oficial de pessoas desempregadas. A comprovação disso é que o próprio questionário da PNAD-C que é aplicado aos domicílios selecionados possui a opção de cuidados com dependentes e afazeres domésticos como critério para considerar o informante na categoria de pessoa fora da força de trabalho em vez de pessoa desocupada, como se vê a seguir:⁵
A despeito das obrigações domésticas e de cuidados com dependentes serem de fato trabalho humano indispensável na reprodução da vida material, a taxa de ocupação em postos de trabalho por parte das mulheres brasileiras, se comparada às taxas médias dos países imperialistas, reflete a fragilidade e o atraso da economia nacional. No recorte atual, nossa população feminina ocupada é de 42,8 milhões, o que corresponde a uma taxa de ocupação de apenas 47% para o sexo feminino⁶. No Reino Unido, por exemplo, a população feminina ocupada chega a 70%, 23% a mais que no Brasil⁷. Os números comprovam: o subdesenvolvimento coloca ainda mais grilhões sobre a situação das mulheres e, em contrapartida, a situação das mulheres revela o nível de progresso econômico e político do país. E dado o elevado grau de exploração das massas populares, combinado com a baixa industrialização, a família tem um peso maior como unidade produtiva, o que reflete também em maior sobrecarga no trabalho doméstico. Outro fator é que a renda média das famílias no Brasil impossibilita que as mesmas contratem serviços domésticos ou mesmo de saúde para seus dependentes enfermos, funções que recaem sobre as mulheres que compõem os núcleos familiares, retirando-as da atividade social produtiva.
Esse fenômeno, entretanto, não justifica que um volume expressivo de mulheres que estão fora dos postos de trabalho não seja considerado nos dados de desocupação. Ainda que se trate de um problema da condição das mulheres do povo que inviabiliza a sua participação plena na composição da mão de obra nacional (fenômeno retroalimentado pelas concepções patriarcais sobre o papel feminino), esse impedimento é aprofundado pelo capitalismo burocrático brasileiro e não é correto que isso seja normalizado pelos responsáveis estatísticos. Não é natural que essa parcela não componha o volume de mão de obra do país e isso não conste nos dados de desocupação. Trata-se, evidentemente, de uma manipulação grosseiramente ideológica desses dados a fim de subestimar o desemprego.
Os números mais concretos
Para chegarmos aos dados mais concretos de desocupação no Brasil e refutar os 7,8% divulgados, é preciso analisar também a massa que compõe a categoria de pessoas ocupadas. Vejamos abaixo uma imagem do painel interativo da PNAD-C⁸, disponível no portal do IBGE:
Vemos, portanto, que mesmo dentre as 99,8 milhões de pessoas consideradas ocupadas, 39 milhões estão ocupadas informalmente ou subocupadas, trabalhando em bicos, por conta própria ou trabalhando uma quantidade de horas semanais insuficiente para garantir a sobrevivência. Portanto, mesmo com a falsificação divulgada no monopólio de imprensa, o fato é que, no Brasil, das 175 milhões de pessoas em idade para trabalhar, apenas 60,8 milhões estão plenamente ocupadas com alguma regularidade, ou seja, risórios 34,7% da força de trabalho disponível.
Agora, ao somarmos o volume oficial de desocupação de 8,3 milhões de pessoas com o contingente de 31 milhões de pessoas fora da força de trabalho (já com a nossa boa vontade de deduzir adolescentes que estudam e idosos), podemos chegar mais próximo do número concreto de desempregados em absoluto: 39,3 milhões de pessoas. Em níveis percentuais, uma taxa de 22,4% de desemprego.
Além disso, podemos calcular também a taxa composta de desocupação e subocupação da força de trabalho, somando esses 39,3 milhões de pessoas verdadeiramente desocupadas com os 39 milhões de pessoas que estão na informalidade, chegando ao patamar de 78,3 milhões de pessoas, uma taxa composta de 44,7% de desocupados e informais, relativos ao universo da força de trabalho disponível. Esse dado é ainda mais concreto que o dado anterior, pois expressa com mais ciência o panorama, uma vez que um volume considerável das pessoas que o IBGE considera como “ocupadas na informalidade” estão, na realidade, desocupadas. Isso acontece porque o Instituto considera como ocupada qualquer pessoa que tenha exercido qualquer tipo de atividade remunerada durante no mínimo 1h na semana de referência da coleta domiciliar.
Por fim, propomos seguinte gráfico após refeitos os cálculos oficiais:
Tal é a grave situação de decomposição econômica e social que se aprofunda ao longo dos anos. O volume de 78,3 milhões de pessoas corresponde ao total do nosso exército industrial de reserva; deste, por baixo, 30 milhões é parte de um exército industrial permanente jogado à miséria, uma massa que não consegue e não tem perspectiva de conseguir ocupação regular.
Fonte: A Nova Democracia