Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra enfrenta investigação sobre “aumento nas invasões”, proposta pelo deputado Tenente-Coronel Zuco (Republicanos-RS)
Nesta semana os deputados que integram a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga suposto “crescimento desordenado” de ocupações em propriedades rurais do Brasil aprovaram requerimento para convocação de João Pedro Stédile, liderança histórica do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), alvo da oposição ao governo.
O pedido de abertura de CPI foi feito pelo deputado Tenente-Coronel Zucco (Republicanos-RS), que vê uma “suposta influência por parte do governo federal na atuação deste grupo”. O texto de Zucco também fala do aumento de ocupações, mas não cita dados que corroborem a afirmação.
MST
Para o MST, que enfrenta sua quarta CPI em 39 anos de história, esta é mais uma tentativa de criminalizar a luta pela reforma agrária. “Apesar do desgoverno dos últimos quatro anos adotamos a estratégia de resistência ativa. No geral conseguimos passar [pelo período Bolsonaro] com tranquilidade e até socorrer a sociedade [com doação de marmitas] durante a pandemia”, explica Bruna Zimpel, integrante da direção nacional do MST e acampada na região de Clevelândia, no sudoeste do Paraná.
A CPI do MST é um movimento de deputados de oposição ao governo na Câmara. O colegiado vai investigar a atuação do movimento social em “invasões” de terras supostamente produtivas.
CPI
Em abril deste ano, durante a inauguração de uma cozinha-escola do MST em São Paulo, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que não há justificativa para a criação da CPI. “Até este momento não foi identificado qual é o fato que justifica a criação dessa CPI. O próprio congresso nacional, os líderes, os partidos vão ter que justificar isso. Na minha opinião não existe”.
A avaliação é de que o movimento social tem sido usado para atingir a o governo federal e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que chegou a dizer que não era mais necessário que o movimento “invadisse” terras e tem tentado costurar relação mais estreita com o agronegócio.
Paraná
De acordo com o MST, desde a fundação do movimento, 450 mil famílias foram assentadas no Brasil. Dessas, 21 mil estão no Paraná, berço do nascimento do movimento.
Em 1984, trabalhadores rurais que não tinham terras realizaram um encontro em Cascavel, oeste do Paraná, dali surgiu o MST. No ano seguinte, no Teatro Guaíra, em Curitiba aconteceu o primeiro congresso do movimento.
“Mas na verdade é uma convergência de movimentos, né? A luta por terra já existia quando os povos originários não aceitaram a invasão dos portugueses. Depois com os povos escravizados e a população mais carente, então vem desde este período a luta por terra”, explica Zimpel.
O histórico de organizações que também inspiraram o surgimento do movimento, disponível no site, trata dos quilombos, de Canudos, das ligas camponeses e do Movimento de Agricultores Sem Terra (Master), que traziam na essência a luta por reforma agrária, além de alas progressistas da Igreja Católica.
Além das 21 mil famílias assentadas no Paraná, há outras 7 mil aguardando a regularização das terras ocupadas – são 83 acampamentos por todo Estado.
No primeiro semestre deste ano o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, afirmou ao Valor Econômico que o governo federal deve investir R$ 500 milhões no programa de reforma agrária. O MST espera que a pauta avance sob Lula depois de estagnação desde 2016.
Esperança
Zimpel, embora integre a direção nacional do movimento, ainda não teve terras regularizadas. Filha de agricultores que nunca tiveram a própria terra, ela cursou colégio agrícola e quando foi atuar como técnica conheceu o movimento.
Desde 2010 está acampada na região sudoeste do Paraná, onde vive com o marido e o filho de oito anos. Além dela, na área ocupada em Clevelândia estão outras 15 famílias. “Retomamos o diálogo agora com o governo federal, entendemos que cada um tem o seu espaço, que o governo precisa dialogar com o agro, mas nosso papel é ocupar terra e lutar pela reforma agrária”.
No Paraná o sistema produtivo do MST, de acordo com a direção estadual, conta com 23 cooperativas, 64 agroindústrias, 100 associações e um mix de mais 100 produtos industrializados.
São produzidos e comercializados arroz, feijão, leite, milho, ovos, cana-de-açúcar, polpa de suco e outros. Grande parte disso é vendido por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que somente em 2022 adquiriu 3,9 toneladas de alimento.
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Para compra direta da população o MST tem lojas chamadas “Armazém do Campo”. Uma delas fica em Curitiba, onde também funciona o centro de distribuição.
Disputa
Após a convocação de Stédile para a CPI, o MST emitiu uma nota no site oficial na qual diz que “A CPI do MST, cada vez mais, tem se revelado uma cortina de fumaça para tentar apagar os crimes e o triste legado de destruição ambiental, assassinatos no campo e ódio de classe do bolsonarismo”.
A instauração da CPI ocorreu mesmo período em que o MST mobilizou a militância para as jornadas de abril. Os atos causaram algum desgaste no governo, no entanto, o movimento conseguiu a troca de 19 chefias estaduais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Nacionalmente a presidência do Instituto está com o engenheiro agrônomo César Fernando Schiavon Aldrighi.
Fonte: Jornal Plural