Reunião ocorre após pedido de reintegração de posse
Nesta quarta-feira (19), empunhando cartazes que traziam dizeres como “precisamos de ajuda e não de despejo” e “infraestrutura e saneamento básico”, moradores de uma ocupação no Jardim Cristal, zona sul de Londrina, acompanharam audiência pública promovida pela Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.
O encontro teve como mote debater o futuro de cerca de 300 famílias que residem no local. A comunidade alugou um telão para acompanhar a reunião convocada após pedido de reintegração de posse pela Sial Construtora. O processo arrasta na Justiça há oito anos. Antes mesmo de Maria Roseli Maia da Silva chegar na ocupação em 2021. Desempregada e enfrentando um quadro de doença renal crônica, ela sobrevive com o recebimento de um benefício por invalidez.
Maria Roseli compartilha que o dia a dia no assentamento é repleto de dificuldades. Por exemplo, para sair de casa, ela precisa passar pelo quintal de outros moradores. Caso este trajeto seja fechado, é impossível acessar a rua, ou seja, seu direito de ir e vir, previsto na Constituição Federal, é impossibilitado. “Vou ter que construir um heliporto para virem me pegar”, ironiza.
A moradora critica a posição da Prefeitura Municipal de Londrina que, de acordo com ela, não tem prestado assistência aos moradores da região. “A mesma coisa da audiência passada, a Prefeitura não se manifestou, não está nem aí para gente, mas na hora de pedir votos, eles virão aqui. Já na hora de ver nossos problemas, ninguém vem”, desabafa.
Mariele Roberta reside no Jardim Cristal e está auxiliando a comunidade nas tratativas. Ela ressalta o desconhecimento dos poderes públicos sobre a realidade das famílias. “Se houver um remanejamento que o estado se pronuncie, não são apenas 40 famílias como foi dito. Eu tenho um levantamento que quase 300 famílias estão aqui alojadas e já faz bastante tempo. Colocaram como se fossem cinco anos, mas desde 2012 já tinha gente morando aqui”, afirma.
De acordo com ela, os moradores solicitam a permanência no terreno ou o remanejamento para um lugar com habitações dignas. “A gente precisa não de desocupação, mas sim de uma ajuda do estado, para que ele olhe para esta situação”, observa.
Jonas Batista da Silva, trabalha como autônomo realizando serviços gerais e está na ocupação desde 2018. “Por não ter um ponto fixo de moradia, eu me aventurava a viajar por cidades de diferentes regiões. Quando percebi, eu já estava com 50 anos. E a frente de mercado e serviço é difícil. Eu fiquei sabendo desta ocupação e me ingressei, fiz uma casinha de madeira que se intitula “casa da boneca” porque é bem detalhada, pintada. Tem água, luz. Fiz uma fossa simples, mas fiz e aguardando que o poder público dê uma atenção com o coração para ver o que pode ser feito para nossa comunidade”, conta.
Devido a inexistência de um acordo, uma nova reunião foi solicitada para o início de setembro. “Terá uma nova reunião, e depois tudo indica que mais outra, mais outra e mais outra e se Deus não me levar até lá, espero ser contemplado”, diz.
Sem destino
De acordo com a advogada Juliana Estrope Beleze, procuradora jurídica da Cohab (Companhia de Habitação) de Londrina, além do órgão, participaram da audiência representantes da Defensoria Pública, Ministério Público e Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social. Ela indica que entre os encaminhamentos, foi discutido a possibilidade de venda do terreno aos moradores, porém o proprietário estaria resistente à proposta.
“Houve uma sinalização do próprio desembargador para que o proprietário da área faça a venda direta para os ocupantes, mas ele [o proprietário] não se sentiu muito à vontade com esta proposta. A Cohab disse que pode fazer o levantamento socioeconômico porque o proprietário acredita que as famílias não teriam condições de realizar o pagamento”, pontua.
Ainda, segundo Beleze, mesmo que ocorra a regulamentação da área, a estimativa da Superintendência Geral de Diálogo e Interação Social, é que o local abrigue apenas 40 famílias. “A área é bastante irregular, tem bastante espaço íngreme que não seria possível a regularização. É necessário um estudo técnico da área para verificar a viabilidade de fazer este assentamento de forma regular, que possibilite a implementação de ruas, serviços e toda estrutura necessária para a habitação”, assinala.
Também não há outros espaços disponíveis no município para o remanejamento. “O entendimento é que por se tratar de uma área particular, há a necessidade que o proprietário inicie as tratativas. A Cohab como executora de uma política pública aguarda que os mecanismos sejam solicitados para que ela atue”, ressalta.
Atualmente, Londrina possui 65 ocupações urbanas nas quais residem mais de 3 mil famílias.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.