Em entrevista à imprensa, governador do Paraná referiu-se aos Avá Guarani do Oeste do estado de “índios paraguaios”; leia nota de repúdio do Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da UFPR
O Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) divulgaram nota de repúdio, nesta quarta-feira (31), à declaração do governador do Paraná, Ratinho Jr., sobre os povos indígenas Avá Guarani, do Oeste paranaense. Em entrevista à imprensa no dia 30 de julho ele se referiu aos indígenas como “índios paraguaios”, dizendo que o governo não admitiria invasão dos mesmos a terras paranaenses. A nota de repúdio aponta que a fala “desconsidera a história e os direitos dos povos indígenas brasileiros, além de reforçar estigmas e preconceitos que alimentam a violência contra esses povos”.
Desde o início de julho os Avá Guarani vem sendo alvo de ataques por parte de fazendeiros, numa escalada de violência que levou o Governo Federal a criar um Grupo de Trabalho (GT), coordenado pelo Ministério dos Povos Indígenas, para buscar solucionar o conflito.
No dia anterior à declaração à imprensa, Ratinho Jr. havia se reunido virtualmente com o Ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, para buscar respostas ao que classifica como “invasões indígenas” nas cidades de Terra Roxa e Guaíra, próximas à fronteira com o Paraguai. No mesmo dia, a reunião foi noticiada pela Agência Estadual de Notícias.
“Os agricultores já estão cobrando uma solução em relação à reintegração de posse e o Estado vai ter que se posicionar juridicamente para cumprir a função que é da Polícia Federal. Mas isso é algo que não gostaríamos de fazer, até porque é uma obrigação federal”, disse o governador.
De acordo com o site Parágrafo 2, que cobre de perto os ataques, os pedidos de reintegração de posse por parte de fazendeiros da região foram apresentados em oito ações judiciais, que obtiveram resultado em decisões do juiz João Paulo Nery dos Passos Martins, responsável pelos casos na 2ª Vara Federal de Umuarama. Ao todo, são quatro reintegrações de posse e quatro interditos proibitórios que atingem quatro comunidades. As decisões colocam em risco cerca de 550 pessoas, entre crianças, mulheres e idosos do povo Avá Guarani.
De acordo com o Ministério dos Povos Indígenas, tratam-se de áreas já delimitadas, mas com processo de demarcação pausado por contentações judiciais de fazendeiros.
Registros históricos
A nota do Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia destaca que, para além de refutar uma fala preocceintuosa, a nota tem como objetivo “expressar nossa solidariedade à luta dos Avá Guarani pela demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá” e reforça as evidências arqueológicas da presença ancestral da etnia nesse territórios.
“O documentário ‘Ygá Mirî – Resgate emergencial de canoa localizada no sítio arqueológico Ciudad Real del Guayrá’, produzido em parceria entre o IPHAN, as lideranças Avá Guarani e a Coordenação do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná, evidencia a longa ocupação do povo Avá-Guarani no território paranaense. Essas descobertas são fundamentais para a compreensão da história e da cultura desse povo, destacando a continuidade de sua ocupação e sua conexão inalienável com a terra. Além disso apontam caminhos fundamentais para uma melhor compreensão da história e formação do Estado do Paraná como um todo.”
Em 2022, a indígena Ana Lúcia Ivoty publicou um texto na Rede Lume no qual conta a história de luta ancestral dos Avá Guarani pelo território do qual forma expulsos no Oeste do estado, destacando o papel da construção da hidrelétrica de Itaipu. Leia aqui.
Nota de repúdio
Nota de Repúdio do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná
O Departamento de Antropologia e o Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia da Universidade Federal do Paraná vêm a público manifestar seu repúdio às declarações recentes do governador do Paraná, Ratinho Jr., que de forma equivocada e permeada de preconceito, referiu-se aos Avá Guarani do oeste paranaense como “índios paraguaios”. Esta fala desconsidera a história e os direitos dos povos indígenas brasileiros, além de reforçar estigmas e preconceitos que alimentam a violência contra esses povos.
Mais do que refutar uma fala preconceituosa, esta nota tem como objetivo expressar nossa solidariedade à luta dos Avá Guarani pela demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá. A demarcação é essencial para a proteção dos direitos e da cultura desse povo, que historicamente ocupa essa região.
Evidências arqueológicas e antropológicas, amplamente documentadas, atestam a ancestralidade da presença indígena na região. O documentário “Ygá Mirî – Resgate emergencial de canoa localizada no sítio arqueológico Ciudad Real del Guayrá”, produzido em parceria entre o IPHAN, as lideranças Avá Guarani e a Coordenação do Patrimônio Cultural do Estado do Paraná, evidencia a longa ocupação do povo Avá-Guarani no território paranaense. Essas descobertas são fundamentais para a compreensão da história e da cultura desse povo, destacando a continuidade de sua ocupação e sua conexão inalienável com a terra. Além disso apontam caminhos fundamentais para uma melhor compreensão da história e formação do Estado do Paraná como um todo.
Os Avá Guarani, também conhecidos como Nhandéva, são descendentes dos antigos guaranis de Guairá e Mbaracayú, que tiveram contato com colonizadores europeus desde o século XVI. Como destacado pelo antropólogo Bartomeu Meliá, estes povos foram fortemente explorados na lavoura de erva-mate, e muitos foram forçados a buscar refúgio em reduções jesuítas ou a empreender um dramático êxodo para o sul.
O atual conflito se agrava devido à demora na demarcação da Terra Indígena Guasu Guavirá, historicamente ocupada pelos Avá Guarani. A região tem sido palco de conflitos e violência, e os remanescentes deste povo têm enfrentado dificuldades, incluindo remoções forçadas e separação de famílias. Após anos de luta, em 2018, a Funai identificou e delimitou a terra indígena, mas essa decisão foi anulada pelo próprio órgão em 2020. Em 2023, a Funai retomou o processo de demarcação, desencadeando duas ações judiciais no Tribunal Regional da Quarta Região (TRF-4), uma delas movida pelo município de Guaíra.
Neste contexto, ressaltamos o disposto no Artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos dos povos indígenas às terras que tradicionalmente ocupam, e assegura o respeito a suas formas de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. As terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas são de sua posse permanente e os direitos sobre elas são inalienáveis. Qualquer decisão que desconsidere esses direitos constitucionais representa uma grave violação às garantias fundamentais dos povos originários.
A ameaça de uso de força policial em ações de reintegração de posse não apenas viola os direitos fundamentais dos povos indígenas, mas também exacerba o clima de tensão e violência na região. Apelamos às autoridades para que respeitem os direitos dos povos indígenas e reiteramos nosso apoio às comunidades Avá Guarani de Guaíra e Terra Roxa e nos solidarizamos com sua luta por reconhecimento e justiça.
Departamento de Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Arqueologia Universidade Federal do Paraná.
Fonte: Rede Lume