Com forte presença da bancada ruralista, CPI foi encerrada sem entrega de relatório
No final de setembro, a Comissão Parlamentar de Inquérito que buscou investigar a atuação no Movimento Sem Terra no país, mais conhecida como “CPI do MST” encerrou as atividades sem apresentação de um relatório. O pedido de instauração da CPI ocorreu em abril a partir de um requerimento apresentado pelo deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos), com apoio de membros da Frente Parlamentar da Agropecuária, mais conhecida como “bancada ruralista”.
No mesmo período, face aos 27 anos do “Massacre de Eldorado do Carajás”, quando 19 trabalhadores sem-terra foram assassinados por tropas da Polícia Militar no Pará, o movimento realizou a “Jornada Nacional de Luta pela Terra e pela Reforma Agrária”, também chamado de “Abril Vermelho”, ocupando diversas fazendas pelo país, incluindo área pertencente à Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) e sedes do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Ao todo, compuseram a CPI, 27 membros titulares e 27 suplentes. A maioria dos parlamentares integra a oposição ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como o relator Ricardo Salles (PL), ex-ministro do Meio Ambiente do governo de Jair Bolsonaro (PL) e hoje deputado, e Kim Kataguiri (União Brasil) vice-presidente.
Em entrevista ao Portal Verdade, Roberto Baggio, integrante da direção nacional do MST, classifica a CPI como uma tentativa de criminalização do coletivo. A liderança ressalta a falta de um objeto determinado, ou seja, de um fato que pudesse justificar a sua instalação. “A CPI foi mais uma articulação, arapuca que os setores bolsonaristas, da extrema-direita, armaram para criminalizar o MST, sem que o movimento tivesse cometido nenhum crime. Foi um gasto de dinheiro público, durante mais de quatro meses de trabalho improdutivo por isso merece ser desapropriado já que não cumpriu sua função social. Não encontraram crime nenhum”, observa.
À época, a deputada Sâmia Bonfim (PSOL) questionou a atribuição de Salles para a relatoria sob o indicativo de que ele possuía interesses pessoais envolvidos. A parlamentar justificou que Salles tem anseios econômicos relacionado à pauta, em razão de ter entre seus financiadores usineiros e madeireiros.
Além de interesses ideológicos, tendo em vista suas diversas declarações contra a agenda ambiental. Quando presidiu a pasta, de 2019 a 2021, Salles, adotou políticas negacionistas, chegando a relativizar o aquecimento global, enfraqueceu órgãos fiscalizadores como o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), incentivou o garimpo ilegal e a invasão de terras indígenas.
Porém, apesar dos esforços da bancada ruralista para deslegitimar o movimento e manipular a opinião pública, a liderança avalia que a CPI obteve resultado oposto, isto é, contribuiu para informar a população sobre as reais finalidades e reivindicações do MST, que perpassam a produção de comida sem veneno e a diminuição das desigualdades sociais.
“Foi positivo no sentido de mostrar que essas fake news do agronegócio de atribuir crimes a uma luta social como o MST, na verdade, tentam diminuir ou bloquear a reforma agrária, tornando violenta, mas a maioria do Parlamento constatou que não encontraram nenhum tipo de ilegalidade e crime. Acho que reforma agrária saiu fortalecida para a sociedade e o MST como este sujeito coletivo que carrega a luta do trabalho, de repartir a terra, cuidar da natureza, que não faz grilagem, não incita a violência, acho que a sociedade entendeu e eles ficaram mais desmoralizados e isolados”, acrescenta.
Entre as oitivas, João Pedro Stedile, um dos fundadores do movimento, na década de 1980, foi convocado. Durante mais de seis horas de depoimento, Stedile deu uma aula sobre a exploração da terra, consequências do agronegócio para a crise climática e aumento da pobreza no país. Acompanhe na íntegra:
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.