Na manhã desta quarta-feira (6), estudantes e professores de Artes Cênicas, curso vinculado à UEL (Universidade Estadual de Londrina), promoveram ato intitulado “Todes contra o feminicídio”. A concentração começou às 8h em frente ao Cine Teatro Ouro Verde, centro da cidade.
Primeiramente, os manifestantes confeccionaram cartazes com dizeres como “Que ser mulher não me custe a vida” e “Nenhuma de nós a menos”. Em seguida, saíram em cortejo silencioso pelo Calçadão, finalizando a caminhada nas imediações da Catedral Metropolitana de Londrina.
O protesto acontece após o ataque feminicida, registrado no último domingo (3) no jardim Jamaica, zona oeste da cidade. O atentado cometido por Aaron Delesse Dantas, de 23 anos, deixou duas vítimas fatais: a estudante de Ciências Sociais, Júlia Beatriz Garbossi e o jovem Daniel Suzuki. A terceira vítima, uma estudante de Artes Cênicas, ficou gravemente ferida.
Ursula Brevilheri, mestranda em Sociologia na UEL, relata tristeza e inconformismo em participar da mobilização. A pesquisadora ressalta que, embora o ato tenha sido motivado pelo crime ocorrido no fim de semana, a intenção é desnaturalizar as múltiplas violências de gênero, que atingem não apenas as mulheres.
“Quase uma raiva de ver como a sociedade banaliza estas violências todos os dias. E o feminicídio além de atentar contra a própria vida, própria condição de mulher, atenta contra um círculo todo, familiares, amigos. Isso marca completamente a vivência das pessoas. A violência não pode ser normalizada e acho que este processo é muito forte, quando a gente vai às ruas, anda pelo Calçadão com os nossos cartazes, mostrando a nossa indignação, estamos reafirmando que não se trata de mais um número, não se trata de mais um caso ou de algo isolado, mas é um problema estrutural, é uma questão que precisa ser levantada, discutida”, diz.
Para ela, estas violências não podem mais ser banalizadas e é preciso que as vítimas tenham conhecimento dos serviços de acolhimento e denúncia. “Nos deparamos com diversas mulheres que não estavam fazendo parte do ato e pararam e olharam, choraram com a gente e acho que para estas mulheres também tem um significado de que existe um lugar de que a violência pode ser cotidiana, mas que elas não estão sozinhas, que temos mecanismos, formas de denúncias, que isso não vai passar como se não fosse nada”, adverte.
Para Ana Paula Curoto Alves, estudante de Artes Cênicas, é fundamental que o debate e enfrentamento às opressões não fiquem restritos aos cursos envolvidos, mas que ocorra à adesão de toda a sociedade londrinense. “Que traga cada vez mais pessoas, que a Universidade como um todo se posicione, a cidade de Londrina, porque é algo que reflete em todos os lugares. Foi importante ir até um lugar como o Calçadão, onde geralmente são feitos os atos, com esse enfrentamento de posicionamentos que ferem a existência de tantas pessoas”, pontua.
“Quem ama não mata”
Em nota, o Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina defendeu a tipificação do caso como feminicídio. De acordo com a entidade, trata-se de dois casos: um feminicídio tentado e um feminicídio por conexão consumado.
Com base nas “Diretrizes Nacionais para Investigar, Processar e Julgar com Perspectiva de Gênero as Mortes Violentas de Mulheres“, documento publicado em 2016, o coletivo explica que existem 13 tipos de feminicídios. O por conexão consiste na “morte de uma mulher que está ‘na linha de fogo’, no mesmo local onde um homem mata ou tenta matar outra mulher. Pode se tratar de uma amiga, uma parente da vítima – mãe, filha – ou de uma mulher estranha que se encontrava no mesmo local onde o agressor atacou a vítima”, observa.
“Júlia foi atacada ao tentar conter o agressor, Aaron Delesse Dantas, que mirava sua amiga”, reforça.
O grupo também rechaça a tentativa de abordar o caso como um “crime passional” e salienta a importância de que seja ofertada qualificação aos profissionais que atuam em serviços de saúde e atendem às vítimas.
“Gostaríamos de ressaltar que retratar feminicídio como crime passional em nada contribui para o entendimento social deste fenômeno. Quem ama não mata. Gostaríamos de ressaltar também a nossa preocupação com aparente despreparado dos serviços de saúde de vítimas desta natureza. As sequelas emocionais parecem ser desconsideradas”, afirma Marina Stuchi, atriz, pesquisadora da área da Saúde e membra do Néias.
A organização também elucida que, de acordo com a Lei de Feminicídio (Lei nº 13.104) o crime não se restringe a situações em que há relacionamento íntimo prévio entre vítima e autor, mas menosprezo e discriminação à condição de mulher.
“Acho que o protesto é importante para dizer isso para as pessoas, aconteceu com a Júlia, sabemos que acontece com diversas mulheres, mas a nossa luta é para que não aconteça mais, para que estes casos diminuam, que as pessoas tenham consciência de que o lugar da mulher na sociedade é inferiorizado muitas vezes, mas que se depender de nós, isso vai diminuir cada dia mais, rumo a uma equidade de gênero, a uma realidade diferente, mais esperançosa, onde a gente possa viver, andar pelas ruas, conviver sem medo”, finaliza Brevilheri.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.