Caso seja implementado nos 127 colégios anunciados, o modelo passa a atingir 15% das escolas estaduais
Essa semana (dias 28 e 29 de novembro), pais, demais responsáveis, professores, funcionários e estudantes com 16 anos ou mais de 127 escolas do Paraná votarão se querem ou não que essas instituições tornem-se cívico-militares a partir de 2024.
Caso todas as unidades tenham votação favorável à mudança, o Paraná contará com 333 colégios nesse formato. Coletivos como o ULES (União Londrinense dos Estudantes Secundaristas) e a APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de escola do Paraná) se posicionaram contra a medida que tingirá cerca de 80 mil estudantes em todo estado.
O Paraná passou a adotar o modelo em 2020, com o programa federal PECIM (Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares), criado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL). A iniciativa foi descontinuada este ano pela atual gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O modelo vem sendo criticado desde o início por professores, que destacam a perda de autonomia pedagógica e alertam para o fechamento de vagas nas escolas.
O presidente do núcleo de Londrina da APP-Sindicato, Márcio Ribeiro, afirma a posição desfavorável da entidade sobre o projeto: “A APP-Sindicato e a maioria de nós educadores é contrária à implementação desse tipo de escola cívico militar, é um invencionismo do antigo governo Bolsonaro. É importante ressaltar que nós não somos contra os policiais militares, mas somos contra que policiais militares venham a trabalhar nas escolas com formação pedagógica, sendo que eles não têm formação para isso”.
O professor Márcio também explica que a implantação do modelo cívico-militar acarreta no fechamento de turmas. “Consta no edital que a escola cívico-militar não pode ter EJA (Educação de Jovens e Adultos) e nem ensino noturno, são só as aulas regulares. E isso tem motivo”, disse o professor.
O jornal Plural publicou reportagem há duas semanas atrás, evidenciando que a melhora que os colégio cívicos-militares apresentaram no último IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) está diretamente ligado ao encerramento de turmas do período noturno e EJA.
A reportagem completa está disponível aqui, mas em síntese, a investigação demonstra a retirada de quase 100 mil estudantes do período noturno evitou que as escolas zerem o IDEB – que precisa de uma presença de 80% dos alunos matriculados na avaliação – e que tenham notas baixas no SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação) , já que à noite concentram-se uma maior quantidade de alunos trabalhadores e que, por vezes apresentam maiores dificuldades de aprendizagem devido, entre outros motivos, a menor disponibilidade de tempo para se dedicarem aos estudos.
Outra questão trazida pelo professor de Sociologia da rede estadual de educação, Rogério Nunes, é que o governo tenta convencer a população do sucesso desse modelo tentando vinculá-lo às escolas militares. Enquanto os colégios cívicos-militares possuem administração compartilhada entre civis e militares, as escolas militares são totalmente controladas pela Polícia Militar (PM).
“A publicidade do governo sobre o assunto leva a acreditar que o modelo de colégios civis militares é a mesma coisa que os colégios militares, e não é. São sete escolas militares no Paraná geridas pela PM. Há uma legislação antiga que regulamenta essas escolas. Elas são excludentes, já que tem reserva de vagas para filhos de policiais e o Ministério Público contesta a constitucionalidade dessas reservas. Além disso, ela produz resultado não por conta da concepção pedagógica, mas sim pela concentração do investimento. Uma escola militar possui três vezes mais orçamento do que uma escola regular. Há uma ampliação das atividades no contraturno, com essas escolas tendo aulas de inglês, francês e alemão, algo que não acontece nas escolas cívico-militares”, afirmou.
Em relação à segurança das escolas, argumento que também é usado pelo governo para convencer a população sobre possíveis benefícios da medida. O professor Márcio Ribeiro, presidente da APP-Sindicato Londrina, alerta: “o governo se aproveita de uma questão sensível da sociedade que todos nós concordamos, seja professores, pedagogos, diretores. Esse problema é a falta de disciplina, a falta de respeito, falta de organização e a falta de segurança. O governo se aproveita disso para dizer que com essas escolas o problema será resolvido com uma canetada ou colocando uma placa de colégio cívico-militar. Isso não resolve o problema, mesmo com policiais aposentados dentro das escolas. Esses policiais não poderão extrapolar o limite que nós, profissionais da educação, já temos. O policial militar combatendo o crime nas ruas é uma coisa, já dentro de uma instituição educacional ele não poderá ter essa postura”.
A APP-Sindicato tem visitado as escolas elencadas para consulta pública para debater o assunto com os professores. Porém, segundo a própria APP, em mais de um caso teve seu direito cercado pelo Núcleo Regional de Educação de Londrina que impediu a entrada e o encontro com a categoria. O caso foi enviado ao MPT (Ministério Público do Trabalho) e poderá ser investigado.
Cerceamento da liberdade dos estudantes
Outro grupo que tem se posicionado contrário à medida são os estudantes. Com a implementação de colégios cívico-militares, os alunos passam a seguir todo um novo regramento, que limita até a vestimenta e corte de cabelo usado pelos alunos. Pior do que serem obrigados a usarem novas roupas, os alunos também relatam sofrer perseguição caso não sigam a conduta exigida.
Na última semana, o Portal Verdade revelou a denúncia da estudante Mariana Furtado, do Colégio Estadual Tsuru Oguido, convertido em cívico-militar em 2021. Segundo a estudante, ela passou a sofrer perseguições dentro da instituição por questionar as regras impostas. “O tenente inventou que eu saí da escola e ligou para a minha mãe. Eu fui perguntar para o diretor o que tinha acontecido e ele falou ‘você saiu para fora da escola’, sendo que eu estava na educação física, o tenente cismou comigo porque eu sou contra o modelo, ele inventa coisas sobre mim”, reclamou a estudante.
Ela também lembrou de casos que envolvem intolerância religiosa e castigos a estudantes que chegam atrasados. “Uma vez, uma menina desenhou Exu no desenho de país. Ela é umbandista. O tenente não deixou ela colar na parede, e ficou por isso mesmo”, afirmou. “Os alunos que chegam atrasados devem ficar marchando por cerca de 10 minutos A quadra fica um forno. Ficamos de pé quase a primeira aula inteira, é um castigo, por isso tanta gente, falta”, continuou a estudante. A matéria completa está disponível aqui.
Diante disso, a ULES promoveu na última quarta-feira (22) um ato no centro de Londrina que visou conscientizar a população sobre os problemas trazidos pela implementação do processo. A presidenta do ULES, Ravila Delay, criticou de forma contundente: “a militarização é uma ideia de um governador fascista, o modelo é visto como um modo de calar, oprimir e doutrinar os estudantes apenas por ser quem são ou por ter pensamentos únicos. Na prática, já vimos que os colégios cívico-militares não funcionam e cabe a nós, os estudantes, decidir qual é a escola dos nossos sonhos. Escola é lugar de liberdade, respeito e segurança. Lugar de militar e no quartel”.
O professor Rogério Nunes também falou que, diferente dos colégios militares que possuem aula de inglês, francês e alemão, nos colégio cívico-militares “o que de fato tem sido implementado nas mais de 200 escolas do Paraná são apenas três oficiais da reserva (por escola) e um processo de controle e disciplinamento das expressões das identidades juvenis: controle do cabelo, das tatuagens, do esmalte”.
“A educação requer aumento do investimento público para que as escolas tenham qualidade. São coisas que parecem simples, mas o governo Ratinho Júnior não efetiva: diminuição de alunos por turma, melhor estrutura nas escolas, como laboratórios de informática, concurso público e carreira para os professores. Não há medida mágica e nem receita. Há uma falsa ideia de que relacionamento e indisciplina que de fato acontecem nas escolas serão solucionados com a presença de três policiais aposentados” conclui o professor.
*Matéria do estagiário Lucas Worobel sob supervisão.