Segundo decreto publicado pelo governo, se não houver quórum da comunidade em alguma escola, a SEED que decidirá
Em nova prática autoritária, o governo Ratinho Júnior (PSD) alterou as regras de consulta à comunidade escolar sobre a adesão ao Programa Parceiro da Escola, que prevê a privatização da gestão de 204 escolas estaduais.
Através do Decreto 7.235/24, publicado no início deste mês, o Palácio do Iguaçu estabelece que nas escolas em que o comparecimento de votantes for inferior ao determinado pela SEED (Secretaria Estadual de Educação), quem decidirá se a unidade será privatizada ou não será a própria pasta e não a comunidade escolar.
Marlei Fernandes, secretária de Assuntos Jurídicos da APP (Sindicato dos Professores e Funcionários de Escola do Paraná) e vice-presidenta da CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) relembra a greve deflagrada pela categoria, em junho último, a fim de tentar barrar a aprovação do projeto chamado pelos trabalhadores da Educação de “Trapaceiro da Escola”.
“É um programa que vai retirar recursos públicos para dar para a iniciativa privada num montante demasiadamente alto e que nós estamos denunciando já há algum tempo. Agora, nós tivemos o Decreto 7.235, que é um decreto que em nossa avaliação, legisla para além da lei. Se não tiver quórum, não vai nem poder abrir as urnas, e a SEED é que vai decidir. É um absurdo, é de um autoritarismo jamais visto na educação paranaense, infelizmente, desconsidera a própria comunidade escolar, como a comunidade que pode definir os processos democráticos que a SEED também vem desconsiderando”, diz.
O regulamento determina que, caso o quórum não for atingido, as cédulas de votação deverão ser eliminadas, sem a contagem dos votos, ou seja, sem a apreciação da vontade daqueles que compareceram à consulta.
“O impacto que nós vemos do Decreto publicado pelo governo, ele é completamente autoritário, ele passa da medida porque ele vai dizer coisas das quais a lei não prevê, não estão na lei, e por fim desconsidera tudo aquilo que eles vinham dizendo. Diziam que é um processo democrático, que a comunidade escolar pode participar, mas a partir do momento em que não se dá quórum, é a SEED que decide. Ora, isso não é nada democrático, nós vamos recorrer de tudo, estamos tratando isso da melhor forma em todos os canais de denúncia, nós vamos denunciar ao Ministério Público mais uma vez, o Tribunal de Contas, a Defensoria Pública, Ministério Público Estadual, enfim, vamos recorrer juridicamente deste decreto”, acrescenta a docente.
Para a liderança, através da campanha “Não venda minha escola”, lançada em todo o estado, a população tem compreendido as consequências da medida. “A sociedade tem entendido que nós, educadores e educadoras, não queremos essa proposta de ter a gestão das nossas escolas, sendo realizada por uma empresa privada. Eu vou repetir o que a gente já disse, empresa quer lucro e o dinheiro público não precisa dar lucro para essas empresas”, observa.
Ela também chama atenção para diferença de valores repassados que chegarão a dez vezes mais por estudante. “Hoje, o chamado fundo rotativo que vai para a escola, ele é de R$ 8 por estudante. Os professores, direção da escola, precisam fazer milagre para ter uma estrutura, para comprar materiais, produtos de limpeza, para fazer um pequeno reparo na escola. Vejam, R$ 8 reais, a empresa vai receber R$ 800, mas vai descontar o pagamento dos profissionais, vai descontar a alimentação escolar, enfim, mas mesmo que ela fique com uma margem de lucro que é no mínimo de 12%, ela já vai ter um lucro muito grande, muito maior do que os R$ 8 que são enviados por alunos pela escola”, adverte.
Denúncia ao Ministério Público do Trabalho
Na última sexta-feira (13), a APP-Sindicato protocolou junto ao MPT (Ministério Público do Trabalho) denúncia de novas práticas antissindicais pelo governo Ratinho. A iniciativa é uma resposta a orientação emitida pela SEED proibindo a participação da APP nos debates sobre a privatização prevista no programa Parceiro da Escola.
“As reuniões da equipe da Secretaria de Estado da Educação nas instituições de ensino elegíveis ao Programa Parceiro da Escola são restritas aos pais, responsáveis e funcionários da respectiva comunidade”, enfatiza a entidade.
A APP requer ao MPT que seja emitida recomendação para que o Sindicato adentre nas reuniões com a comunidade escolar já agendadas e futuramente agendadas pela SEED; que possa se expressar e ter o direito de publicar em murais, através de materiais, panfletos, publicações, materiais diversos, faixas e afins.
“Ele [Ratinho Júnior] retira todo o processo democrático do qual ele vinha dizendo que era essa consulta pública. Então, nós vamos mobilizar todos os esforços. E fazer todas as denúncias para que os pais possam votar, para que os estudantes de 16 anos ou mais possam votar, porque isso já está posto, eles têm direito, inclusive, nas eleições gerais da realização do voto. E nós vamos fazer uma grande campanha para que os pais possam ir votar e votem não. Votem não a uma proposta de dar dinheiro público para uma empresa que, via de regra, pode abandonar a escola a qualquer momento”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.