Além de Curitiba, os 29 Núcleos Sindicais da APP convocaram mobilizações regionais
Neste sábado (29), educadores ocuparam as ruas de Londrina para pedir o fim da violência nas escolas. O ato nomeado “Paz nas Escolas – Pelo fim de todas as formas de violência” foi convocado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) em todo estado (saiba mais aqui). Além de repudiar os ataques recentes, a mobilização também buscou relembrar o “Massacre do Centro Cívico”.
Neste mesmo dia, há oitos anos, aproximadamente 30 mil servidores estaduais, de diferentes categorias, foram duramente repreendidos por policiais enquanto protestavam contra a aprovação da reforma do ParanáPrevidência em frente à Assembleia Legislativa. Cerca de 50 pessoas foram hospitalizadas e 213 ficaram feridas.
Violência vem de fora
“Nós estamos precisando de muita coisa nas escolas, e uma delas é a paz. Temos que observar bem de onde vem esta violência que está acontecendo, ela está na sociedade. Nós tivemos entre os dias 24 e 28 de abril, promovida pela CNTE [Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação], a 24ª Semana em Defesa e Promoção da Escola Pública, e aqui no Paraná, estamos alongando esta semana, porque hoje, dia 29, estamos demarcando o Massacre do Centro Cívico”, conta Antônio Marcos Rodrigues Gonçalves, diretor executivo da CNTE e da APP-Sindicato em entrevista durante o protesto.
Gonçalves regride ainda mais na história e resgata também o episódio de 30 de agosto de 1988. Na época, o então governador, Álvaro Dias, ordenou que a Polícia Militar avançasse com cavalos, cães e bombas contra trabalhadores da educação que protestavam por melhores condições de trabalho e mais qualidade no ensino público. Ao menos, 12 educadores ficaram gravemente feridos em decorrência da violência. Para ele, a forma autoritária com que o funcionalismo público tem sido tratado no estado demonstra que a opressão advém, principalmente, de fora das escolas.
“Nós temos pelo menos, duas datas marcantes em relação a violência do governo contra os trabalhadores, principalmente, os da educação pública e os servidores em geral. Temos 30 de agosto de 1988, que é um marco na história da violência do estado contra os trabalhadores e, mais recente, o 29 de abril. Não usamos estas datas para promover a violência, mas refletir sobre a paz e isso acaba culminando com o momento que estamos vivendo hoje, em que algumas políticas recentes colocadas para a educação faz com que toda população adoeça, principalmente, no interior das escolas”, afirma.
Para o docente, o sucateamento da educação pública, vide corte de recursos, também é uma modo de violentar a população. “A violência se dá no tratamento que o nosso governo tem com a educação, pois quando você reduz financiamento também diminui políticas educacionais e a oportunidade de os jovens estarem em uma escola que realmente seja atrativa e faça diferença na vida dele”, pondera.
Este entendimento também é compartilhado pela pedagoga Neide Alves Silva. “Quando a gente fala de violência na escola, estamos falando da violência exercida pelo governador do estado contra educadores, funcionários da educação punidos por querer discutir de uma forma justa, legal sobre seus planos de carreira. Vem o governador com toda a tropa e nos ataca. Estamos fazendo este memorial hoje para que essa violência que foi assistida pelo Paraná todo nunca mais ocorra”, assinala.
Combate a discursos de ódio
Silva também destaca o papel dos responsáveis na orientação dos estudantes para não aderirem a discursos de ódio disseminados, sobretudo, por segmentos de extrema-direita nas redes sociais. “Tem dentro das escolas algumas briguinhas, mas esta questão mais séria está vindo de fora. Então, pais, professores, tios, avôs precisam ter muito cuidado com isso, orientando os filhos, netos, vizinhos para que não sejam usados por essas facções e grupos de direita, o que vai prejudicar a vida deles e de outras pessoas”, ressalva a professora.
A deputada federal Carol Dartora (PT), em passagem por Londrina para participar de um congresso promovido pelo Sindicato dos Correios no último fim de semana, também compareceu à manifestação. “Vim para esta agenda, mas como professora aproveitei para prestigiar o ato da educação, do dia 29 de abril. A gente nunca mais vai esquecer esta barbárie que aconteceu com os trabalhadores da educação, então, precisamos pensar sobre este dia e a importância da educação para violência que aconteceu no dia 29 de abril nunca mais se repita. Estamos na luta pela educação pública de qualidade”, pontua.
Ofensivas privatizantes e criminalização da profissão docente
Para a parlamentar, a escalada de violência nas escolas integra um cenário mais amplo marcado pela criminalização da profissão docente e desmantelamento das políticas educacionais. “Estamos acompanhando muito este tema da violência nas escolas e sabemos que ela está relacionada com uma política de desmonte da educação que aconteceu neste último período, então, são vários estados que passaram por isso, criminalização dos professores e debates importantes como igualdade de gênero, combate ao racismo que temos que fazer para vencer este contexto de violência e criar um clima de harmonia”, analisa.
Aprofundadas desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT), iniciativas privatizantes têm tentado esvaziar um modelo de educação crítico e emancipatório. No Paraná, a APP-Sindicato denunciou, em fevereiro deste ano, material de apoio da disciplina de “Educação Financeira”. Ofertado pela Secretaria Estadual de Educação (SEED) para alunos do 6º ano do ensino fundamental, slides e livro argumentavam que existe uma “mentalidade rica” em oposição a um “pensar pobre”. Com viés meritocrático e assentados na Teologia da Prosperidade, os conteúdos, além de não possui legitimidade científica, reproduzem preconceitos de classe. O episódio é relembrado por Dartora que também cita a reforma do ensino médio em curso.
“Existe esta compreensão de que não tem como mais os nossos estudantes tendo ‘educação para quem quer ser milionário’ e não ter educação efetivamente para formação do senso crítico, convivência em sociedade. Já tem um acúmulo muito forte da própria falência que foi este novo ensino médio, ele mesmo se demonstrou insuficiente”, avalia.
Militarização não é solução
A liderança também critica medidas que buscam reduzir as inseguranças nas escolas por meio da militarização. o governador Ratinho Júnior (PSD) anunciou, no último dia 13 de abril, um conjunto de medidas para aumentar a segurança nas escolas paranaenses. Entre as medidas, o chefe do Palácio do Iguaçu determinou a contratação de mais 2 mil policiais para fazer rondas em frente às escolas e também estarão dentro das unidades. Ainda, informou que ampliará de 204 para 400 o número de colégios cívico-militares no estado.
“Infelizmente, também temos que combater um grupo que acredita que irá extinguir a violência nas escolas com mais armamento, militarização e a gente sabe que o caminho não é esse. Então, uma das principais lutas que estamos fazendo agora é pela revogação do novo ensino médio e a partir disso abrimos toda condição de debater o fim da violência das escolas”, acrescenta.
Próximas pautas no Congresso Nacional
Dartora também compartilha que as votações do PL da Fake News e da reforma tributária serão pautas que irão ocupar a Câmara dos Deputados nos próximos meses. Nesta terça-feira (2), após lobby das big techs (como Google, Meta e Spotify) e atuação de parlamentares bolsonaristas, a apreciação da lei que visa coibir o compartilhamento de notícias falsas foi adiada. Ainda não há nova data para votação.
“Tudo tem regulamentação, a vida em sociedade tem ordenamento, portanto, as redes sociais também têm que ser regulamentadas. Acredito que temos uma maioria que entende a importância desta regulação justamente porque estamos todos neste contexto de medo, ninguém quer mandar o seu filho para a escola com este clima de insegurança. Outro tema que teremos que enfrentar é a reforma tributária, o nosso país precisa ter justiça fiscal, temos hoje um regime tributário que penaliza mais e é mais injusto para a classe trabalhadora para as mulheres, principalmente, as negras, que proporcionalmente pagam muito mais impostos do que uma pessoa rica, comparando seu salário e poder de consumo. Desenvolver o país é desenvolver as pessoas”, finaliza.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.