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Audiência pública na Câmara Municipal de Londrina é marcada por transfobia, denuncia liderança

Representante da ANTRA em Londrina procurou Portal Verdade para denunciar ataques transfóbicos durante sessão que debateu PL que veda participação de atletas trans em competições no município

O Projeto de Lei (PL) nº 207/2021, que proíbe “a participação de atleta cujo gênero seja identificado em contrariedade ao sexo biológico de seu nascimento em competições esportivas” foi pauta de audiência pública realizada na CML (Câmara Municipal de Londrina) na última segunda-feira (11).

De autoria da vereadora Jessicão (PP), a medida estabelece a exclusão de atletas transexuais das diversas modalidades esportivas disputadas de modo individual ou coletivo cuja manutenção ou realização das atividades seja vinculada direta ou indiretamente à Prefeitura Municipal de Londrina, seja sob a forma de patrocínio ou de quaisquer tipos de apoios institucionais.

A regulamentação também veda a expedição de alvará para eventos esportivos que inscreverem pessoa cujo gênero seja identificado em contrariedade ao sexo biológico de seu nascimento. A reunião foi coordenada pela Comissão de Justiça, Legislação e Redação da CML.

Renata Borges Branco, membra da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) acompanhou o encontro das galerias da Casa. Ela procurou o Portal Verdade, para denunciar o que classificou como “show de horrores, intolerância e transfobia” referindo-se aos argumentos trazidos à Tribuna pela proponente do projeto, Jessicão, também pelo vereador Santão (PSC).

“Foi destinado exclusivamente às pessoas trans, principalmente, as mulheres transexuais, segregando, atacando, colocando a gente no masculino, deslegitimando, foi algo que viola e fere a própria Constituição Federal já que a transfobia é equiparado a racismo, é considerado um crime”, avalia.

Em 2019, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu pela criminalização da homofobia e da transfobia, que passaram a ser enquadradas pela Lei de racismo. Na decisão, a Corte definiu como crime condutas que “envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém”.

De acordo com a liderança, durante a sessão, a parlamentar fez declarações consideradas transfóbicas como “a gente não vê uma mulher que se diz homem, querendo participar de uma competição contra homens de verdade”. A vereadora também justificou que a finalidade da iniciativa é “trazer justiça às mulheres para que possam competir apenas com mulheres de nascimento”.

Ainda, de acordo com Jessicão, atletas homens com performances insatisfatórias em torneios estariam “escolhendo” outra identidade de gênero (mulher) para se beneficiar, ou seja, ter mais chances de conquistar medalhas e, consequentemente, subsídios para suas carreiras. “Homens que alcançaram péssimos desempenhos em suas modalidades, tiveram a brilhante ideia de dizer ‘agora, me sinto mulher’ e é óbvio que eles ganham”, disse.

Para Renata, o PL não traz nenhum avanço para a cidade, pelo contrário, somente reforça preconceitos e diverge de recomendações como a nº 01/2021, do Comitê de Acompanhamento da Política de Promoção e Defesa de Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais do Estado do Paraná, que incentiva a “inclusão de pessoas trans no esporte de acordo com sua identidade de gênero, não com base em sexo biológico, dispensada a retificação de prenome e gênero na certidão de nascimento e demais documentos de identificação, atentando às especificidades de cada esporte, modalidade esportiva e categoria”.

“Hoje, o estado do Paraná, através do Conselho LGBT, tem uma resolução que fala da participação de pessoas trans no esporte. E vem Londrina com uma normatização que fere os direitos humanos. Na verdade, ao invés de acrescentar, parece que eles querem isolar a cidade”, analisa.

De acordo com informações recolhidas pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, nos últimos dois anos, os crimes de homofobia ou transfobia aumentaram 53% no país – Imagem: Freepik

Pareceres

A Comissão de Justiça solicitou manifestação da Fundação de Esportes de Londrina (FEL), do Conselho Regional de Educação Física (CREF/PR) e do Conselho Municipal de Esporte e Lazer de Londrina (CMELL) a respeito do projeto de lei. A FEL afirmou que a normatização cabe às entidades federativas de cada modalidade esportiva e que, caso a criação de regras coubesse ao Poder Público de cada município, poderiam ser instituídas normas desportivas variadas e mesmo opostas de acordo com as cidades.

Com relação às justificativas apresentadas, como a de que os homens têm tomado espaço das mulheres no esporte, a Fundação disse que as afirmações não encontram respaldo na realidade, pois, segundo o Comitê Olímpico Brasileiro, na última edição dos Jogos Olímpicos, em Tóquio, a delegação brasileira foi composta por 140 atletas mulheres, correspondendo a 46,5% do time Brasil. Nos jogos de 1964, também realizados no Japão, a delegação brasileira abarcava apenas uma mulher, 2% da delegação, o que demonstra crescimento da participação feminina.

Renata também chamou atenção para a falta de discussões com viés científico durante a audiência e destacou que a baixa representatividade de atletas trans é reflexo de uma série de violências perpetradas contra este segmento da população cuja expectativa de vida é de 35 anos.

“Foi simplesmente um debate superficial, não trouxeram conhecimento científico sobre a questão, apenas baseado no achismo deste grupo negacionista. Os mesmos que negaram a vacina em Londrina, que ataca o avanço da ciência, todos que destoam do pensamento deles são chamados de comunistas e esquerdistas”, adverte.

Dados coletados pela ANTRA, salientam que o Brasil é, pelo 14º ano consecutivo, o país com maior número total de assassinatos de transexuais. Segundo a entidade, 131 pessoas trans foram mortas no país no ano passado, sendo que a maioria das vítimas tinha entre 18 e 29 anos.

Vencido o prazo regimental, não houve manifestação do CREF/PR e do CMELL. A Comissão de Justiça votou a favor do projeto, por entender que o projeto é de relevante interesse local e solicitou a realização de audiência pública. A Assessoria Jurídica da Câmara de Londrina havia apontado que o PL trata de matéria cuja competência escapa das atribuições constitucionais previstas para o exercício das atividades legislativas locais.

Denúncia ao Ministério Público

Renata compartilhou que no dia seguinte à reunião, na terça-feira (12), procurou o Ministério Público para registrar queixa contra os discursos de ódio. “Eu protocolei a denúncia contra a vereadora Jessicão, vereador Santão falando dessas violações de direitos humanos. As pessoas têm que entender que elas podem opinar desde que não firam os direitos humanos”, assinala.

A ativista denunciou ataques transfóbicos ao Ministério Público na última terça-feira (12) – Foto: Arquivo Pessoal

A liderança acrescenta que está dialogando com entidades estudantis como a ULES (União Londrinense de Estudantes Secundaristas), UPES (União Paranaense de Estudantes Secundaristas) para a organização de um ato, embora, não tenha tido presença significativa de movimentos sociais durante a audiência.

“Não dá para ficar assim, estas pessoas nos atacam e o problema que a gente tem visto que o próprio movimento de defesa dos direitos humanos tem se enfraquecido”, finaliza.

A audiência completa pode ser acompanhada a seguir:

Vídeo: Canal Câmara Londrina/YouTube

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Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.
Franciele Rodrigues
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Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.

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