Para docente, manter componente sem viés científico face à carga horária apertada, evidencia opção ideológica pela privatização do ensino
Novamente às vésperas do encerramento do ano letivo, a SEED (Secretaria Estadual de Educação) sob a gestão de Ratinho Júnior (PSD) realizou nova ofensiva contra a educação pública paranaense. Em dezembro último, a pasta comunicou a redução do número de aulas de Geografia, História, Ciências e Matemática ofertadas para anos finais do ensino fundamental. A medida já vale para o ano letivo de 2024, previsto para iniciar em 5 de fevereiro.
A justificativa para suprimir o tempo voltado às matérias nos 8º e 9º anos é a necessidade de garantir a disciplina de Arte na grade curricular após dificuldades para implementação da sexta aula. Conforme informado pelo Portal Verdade, no final de 2022, o governador anunciou a extinção da disciplina de Arte que deveria ser substituída pelo novo componente curricular “Pensamento Computacional” (relembre aqui).
Menos de um mês depois, após mobilização da categoria e estudantes, juntamente com recomendação do MP (Ministério Público) a favor da manutenção da disciplina, a SEED voltou atrás. A disciplina de Arte foi mantida juntamente com a oferta do novo componente curricular, provocando um rearranjo na grade curricular.
Agora, o Palácio do Iguaçu está diminuindo a carga horária das já conhecidas disciplinas com o intuito de preservar o componente sem reconhecimento científico.
Rogério Nunes da Silva, professor de Sociologia e secretário de assuntos jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) – Núcleo Londrina considera que a mudança curricular reforça o empresariamento do ensino público. Ataque que, de acordo com ele, o coletivo tem denunciado há no mínimo cinco anos, ou seja, desde o mandato anterior do atual governador.
Segundo a SEED, o novo componente curricular tem como finalidades disseminar conceitos básicos de Computação, estimulando a construção do pensamento lógico. Porém, sem fornecer infraestrutura adequada, as aulas não têm aprofundado discussões sobre as tecnologias, mas contribuído apenas para a formação de mão de obra barata, conforme analisa Silva.
“As empresas e fundações passam a atuar fortemente na criação de políticas públicas, inclusive, na formação curricular e o componente curricular Pensamento Computacional tem sido defendido por estas entidades e organizações. Qual é a intenção disso? Formar mão de obra precarizada na área da tecnologia. Esta mudança está conectada com esta transformação no mundo do trabalho, portanto, a meu ver a transformação no currículo do ensino fundamental retira dos adolescentes e da classe trabalhadora acesso a conhecimentos socialmente importantes como conhecimento histórico, geográfico, das ciências. No ano passado, houve uma proposta de SEED de diminuir Arte para colocar estes componentes que nem são conhecimentos científicos no espaço escolar”, diz.
Ainda, para o docente a inclusão de matérias sem legitimidade científica prejudica o acesso dos estudantes a conhecimentos legitimados, impactando a qualidade do ensino e afetando o avanço da escolarização em níveis subsequentes.
“Se por um lado, eu tenho a redução de conhecimentos que são importantes na formação de uma criança e um adolescente como conhecimento histórico, introdução aos conhecimentos científicos, a possibilidade de reconhecer o espaço geográfico, o que é fundamental para a formação intelectual e socialização. Por outro lado, temos a implementação de um conhecimento muito raso e que geralmente nas escolas tem sido mediado por professores sem formação específica como complemento da sua carga horária”, observa.
“Um outro elemento que também é importante, este processo de plataformização ou de mediação do processo educativo por meio de recursos tecnológicos, ele não encontra amparo nas escolas, geralmente, as escolas têm poucos computadores, poucos laboratórios de informática, nenhum tipo de trabalhador formado para a manutenção. As escolas não têm condições de dar conta desta demanda apresentada pela Secretaria de Educação”, acrescenta.
Como ensinar sem aprender?
Além da falta de infraestrutura e materiais didáticos, Silva também chama atenção para o fato de que a SEED não tem ofertado formação para os docentes lecionarem o novo componente curricular.
“No caso específico de disciplinas ou componentes curriculares como Pensamento Computacional, Projeto de Vida, entre outros, tanto no novo ensino médio como no ensino fundamental, os trabalhadores e trabalhadoras da educação não tiveram formação específica para fazer este trabalho. Os estudantes perdem com a retirada de outras disciplinas e a formação para a mediação deste novo componente é inexistente. Então, geralmente, além de falta de estrutura, apesar do esforço individual de cada professor e professora que se organiza para apresentar o melhor trabalho possível, a implementação se dá sem uma política de formação continuada e sem profissionais específicos desta determinada área”, assinala.
O professor compartilha que a APP-Sindicato tem denunciado a medida e debatido o assunto com a categoria, principalmente, com os professores das áreas afetadas, além da população em geral a fim de tentar reverter a decisão.
“Diálogo com a nossa categoria e com a sociedade, dizendo que estas mudanças curriculares e nas políticas educacionais, lideradas por fundações empresariais retiram o caráter público da educação”, adverte.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.