Economista do Ipea avalia que taxação dos fundos exclusivos e offshores é importante, mas o que tornará sistema tributário progressivo é o imposto sobre dividendos
O ganhos da fatia mais privilegiada da sociedade brasileira finalmente podem começar a sofrer algum tipo de taxação, ainda que aquém do que seria necessário para se estabelecer uma verdadeira justiça tributária. Há poucos dias, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou medida provisória para taxar fundos exclusivos dos super-ricos. Também foi enviado ao Congresso projeto de lei que tributa os fundos off shore e, fechando essa trinca, espera-se que até o fim do ano saia uma proposta voltada para os lucros e dividendos.
As medidas buscam aumentar a arrecadação do governo e também ajudam a corrigir parte da regressividade que, historicamente, marca o sistema tributário brasileiro.
Estudo feito pelo economista Pedro Humberto Bruno de Carvalho Junior, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), mostrou que a fatia a ser atingida pela taxação dos fundos exclusivos, ou seja, os super-ricos, ganha pelo menos R$ 3,7 milhões ao ano, ou cerca de R$ 308 mil por mês, montante formado também por salário, mas principalmente por lucros de negócios e rendimentos de investimentos.
Ou seja, para essa turma, a tributação não faz nem cócegas, mas considerando o todo, é uma peça a mais para aumentar os recursos públicos. A previsão do governo é arrecadar R$ 24 bilhões entre 2023 e 2026 — dinheiro que deve ser aplicado em políticas públicas que beneficiam, sobretudo, quem está na base da pirâmide, bem longe da elite.
No caso das offshores, o projeto encaminhado ao Congresso pelo governo estabelece que a tributação do rendimento derivado de um investimento no exterior ocorrerá anualmente, de maneira antecipada, ao invés de ocorrer apenas no resgate, o que pode demorar anos. No caso da pessoa física que usufrua rendimentos anuais no exterior de até R$ 6 mil não pagará imposto. Já os rendimentos entre R$ 6 mil e R$ 50 mil por ano ficarão sujeitos à tributação de 15%, enquanto os que forem superiores a R$ 50 mil têm uma alíquota de 22,5%. Com isso, para o próximo ano, a expectativa do governo é arrecadar R$ 7,05 bilhões. Segundo relatório da Tax Justice Network, o Brasil deixa de recolher R$ 40 bilhões por ano devido aos paraísos fiscais e offshores.
Lucros e dividendos
Considerando o quadro de imensa desigualdade no país, que também se reflete na maior tributação dos mais pobres e classe média na comparação com os mais ricos, a taxação dos lucros e dividendos é mais do que justa e necessária para melhorar a vida do andar de baixo.
“A maior parte da renda dos mais ricos — que são o 1% mais rico no Imposto de Renda, com renda mensal acima de R$ 58 mil — vem de dividendos, que chegam a 60% da composição da renda nos estratos superiores. E se você tivesse uma uma alíquota única de 15% sobre os dividendos, que atualmente são isentos, você aumentaria a arrecadação do imposto de renda em 30%, ou 1% do PIB”, explica o economista do Ipea, Pedro Humberto Bruno de Carvalho Junior, ao Portal Vermelho.
Vale destacar que apenas Brasil, Letônia e Estônia, entre os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Económico (OCDE), não cobram imposto sobre distribuição dos lucros. “Essa isenção foi colocada pelo governo Fernando Henrique Cardoso em 1995. Naquele momento, o pensamento era completamente neoliberal e queria-se aumentar o investimento no país, mesmo que de capital financeiro”, afirma.
E, por muito tempo, acrescenta Carvalho, a Receita não divulgou qual era o impacto dessa isenção entre as camadas de renda. “Era algo totalmente oculto”, pontua. Ele explica que só a partir de 2016 a Receita começou a publicar os micro dados do imposto de renda. “Foi então que tais informações deixaram claro que a regressividade do imposto de renda ocorre a partir do 1% mais rico e nos detentores de rendas de capital”.
Em seu estudo “A Progressividade dos Tributos Diretos nas Pesquisas de Orçamentos Familiares”, o economista observou que o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) sobre rendimentos do trabalho apresentou estrutura progressiva, mas tendendo a reduzir sua progressividade no topo extremo (1,2% mais ricos).
“Nos demais estratos, ele foi progressivo: nos domicílios brasileiros com renda entre 5 e 12 SMs (salários mínimos), o imposto representou 1,6% da renda domiciliar; entre 12 e 18 SMs, 4,5% da renda; entre 18 e 36 SMs, 6,7% da renda; e entre os 1,2% mais ricos, 7,2% da renda. Em nível internacional, este percentual ainda é muito baixo. Por exemplo, nos Estados Unidos, os 1% mais ricos sofreram uma alíquota efetiva do imposto de renda de 26,8%”, escreveu.
Carvalho aponta que atualmente, “os mais ricos formam estruturas de tal maneira que sempre tenham rendas de dividendos, justamente para não pagar imposto” e classifica essa isenção como vergonhosa.
Privilégio tributário
Segundo cálculos da Unafisco (Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal), a isenção da cobrança de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos por pessoa jurídica é um privilégio tributário que soma R$ 74,6 bilhões por ano — um montante valioso que deixa de ser arrecadado.
“Muitos defensores da isenção para dividendos ainda alegam que a alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica no Brasil é muito alta. Mas esse argumento é refutável, primeiro porque em outros países você tributa o lucro duas vezes, tanto na pessoa jurídica como na distribuição de dividendos”, analisa o economista.
No Brasil, dois impostos incidem sobre o lucro das empresas: o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), cujas alíquotas somam 34%. De acordo com cálculo feito por outro economista do Ipea, Sérgio Gobetti, a média de tributação do lucro nos países da OCDE é de 41% , somando pessoas jurídica e física.
Carvalho argumenta, ainda, que “o Brasil tem sistemas simplificados muito vantajosos para as empresas” e que na realidade, o percentual de 34% “é muito restrito, só para grandes empresas, que representam menos de 1% das empresas brasileiras, a grande maioria está no Simples e no lucro presumido, que é uma tributação muito baixa”.
Para o economista, a taxação dos fundos exclusivos é meritória, mas o foco central deve ser a taxação dos dividendos. “É isso que realmente vai tornar o sistema tributário brasileiro progressivo”, conclui.
Fonte: Portal Vermelho