Índice representa aumento de 76% em relação ao mesmo período de 2021, crescimento é liderado por paralisações no funcionalismo público
De acordo com estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Econômicos (DIEESE), no primeiro semestre de 2022, ocorreram 663 greves no país, totalizando 37 mil horas paradas. Os trabalhadores da esfera pública lideram as paralisações, com 438 ocorrências (66%). Já a iniciativa privada registrou 223 protestos (33%).
Os dados, extraídos do Sistema de Acompanhamento de Greves (SAG), plataforma que reúne informações sobre paralisações realizadas por trabalhadores desde 1978 no país, demonstram crescimento de 76% em relação ao mesmo período de 2021. A quantidade de horas paradas dobrou, atingindo aumento de 95%. As taxas só não ultrapassam as mobilizações identificadas em 2018.
Chama atenção que os primeiros três meses do ano foram marcados por um grande aumento no número de greves deflagradas: 52 em janeiro saltando para 175 em março. A maioria das greves foi de caráter defensivo, ou seja, pela manutenção de direitos e contra processos de precarização do trabalho: 532, representando 80% das mobilizações. Por sua vez, manifestações de natureza propositiva, isto é, que reivindicam novas conquistas ou ampliação das garantias já asseguradas somaram 368, totalizando 55%.
Questões salariais como reajuste (48%), pagamento do piso (31%), benefícios referentes à alimentação (19%) e quitação de vencimentos em atraso (16%) foram as demandas mais frequentes. Ainda, segundo a pesquisa, em 241 casos (36%) há informações a respeito dos meios adotados para resolução dos conflitos. Na maior parte dos registros (71%) houve abertura de negociações e em mais da metade (54%) foi necessário algum envolvimento do poder Judiciário.
“Desde 2017, com a aprovação da reforma trabalhista [Lei 13.467], as condições de trabalho no Brasil estão sendo ainda mais precarizadas. A maioria dos postos de trabalho abertos não garantem benefícios previstos pela legislação. Além disso, mesmo as vagas condicionadas a CLT têm pago menos”, alerta o advogado Diego Oliveira.
Os números das greves na esfera privada e nas empresas estatais permaneceram praticamente os mesmos. No funcionalismo público, entretanto, o número de horas paradas foi multiplicado por três e o número de greves, por cinco. Em 210 ocorrências (32%) é possível identificar o modo como foram encerradas. Na maioria das destas mobilizações (65%) houve algum êxito no atendimento das reivindicações.
Funcionalismo público
Entre os três níveis administrativos do setor, os servidores municipais foram responsáveis por articular a maior parte das paralisações (72%), seguidos dos funcionários estaduais (19%) e federais (8%). Juntos, estes trabalhadores, deflagraram 412 greves nos primeiros seis meses de 2022, contabilizando 28 mil horas paradas e, majoritariamente, protagonizaram mobilizações de advertência (55%). Esta modalidade equivale a suspensão do trabalho por algumas horas com a finalidade de alertar ao empregador de que um movimento maior pode ser iniciado.
É interessante observar que, no segmento público, a maioria das demandas foi de perspectiva defensiva (79%), porém demandas de ordem propositiva também estiveram presentes frequentemente (68%). Reinvindicações relacionadas ao reajuste salarial (58%), aumento dos pisos (48%), implementações e atualizações de planos de carreira (23%) e melhorias nas condições de trabalho (21%) foram as mais levantadas pelos trabalhadores.
Porém, conforme alertado pela investigação, é necessário ressalvar que demanda por reposição de perdas salariais que se acumulam há anos, e não a demanda por reajuste salarial que pretende alcançar ganho real, não constituem avanços significativos para a classe trabalhadora.
“A última Pnad [Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios] indica que que a taxa de desemprego, no trimestre encerrado em outubro, foi de 8,3%, atingindo mais de 9 milhões de pessoas. O índice representa um recuo em relação ao mesmo período de 2021, quando 12,1% da população estava fora do mercado de trabalho. Mas o aumento ocorre, principalmente, pela criação de vagas informais. Chama atenção também a totalidade de trabalhadores desprotegidos no serviço público: mais de 3 milhões, crescendo 33,6% em um ano”, evidencia Oliveira.
Destaca-se, neste período, os atos convocados pelos profissionais da Educação. Em âmbito municipal, pautas por melhorias na educação infantil e ensino fundamental chegaram a 70% das greves. Nos estados, 40% das mobilizações no funcionalismo público foram deflagradas também por educadores que atuam, principalmente, no ensino médio.
Já em dimensão federal, nove greves envolveram professores e técnico-administrativos em todos os níveis de ensino, do básico ao superior, incluindo também o ensino técnico. Na Segurança, foram registradas duas mobilizações uma delas promovida pelos policiais federais, outra pelos policiais penais. Uma greve envolveu servidores do Ministério da Saúde; outra, servidores do Ministério do Trabalho; e uma terceira ainda, auditores fiscais agropecuários, do Ministério da Agricultura.
Ainda na esfera federal, as greves por reajuste salarial representaram 97% dos protestos. O índice é superior aos apresentados por trabalhadores em níveis estadual e municipal: 52% e 63%, respectivamente. Também com base no levantamento, no primeiro semestre de 2022, aconteceram 26 mobilizações em empresas estatais, sinalizando aproximadamente 1.700 horas paralisadas.
Esfera privada
No ambiente privado, trabalhadores deflagraram 223 greves no mesmo período, atingindo 7 mil horas paradas. O setor de serviços lidera os protestos: foram 161 paralisações, indicando 72% das mobilizações. A maioria das manifestações (82%) tiveram caráter defensivo, com predominância de articulações para barrar descumprimento de direitos (62%). A exigência de regularização de valores em atraso (salários, férias, 13º) compôs a pauta da maioria (47%) das mobilizações. O boletim salienta manifestações de trabalhadores dos transportes, responsáveis por articular 100 manifestações (62%).
Das 62 greves apuradas na indústria privada, 33 (53%) ocorreram na região Sudeste. No Nordeste, foram deflagradas 14 paralisações (23%); na Região Sul, nove (14%); no Centro-Oeste, quatro (6%); e na Região Norte, uma (2%). Outra mobilização (2%) envolveu empresas em duas regiões. A maioria dos movimentos (21, ou 34%) foi realizada por metalúrgicos. Os trabalhadores da construção promoveram 16 greves (26%).
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.