Se as abelhas desaparecerem, ao homem restarão não mais que quatro anos de vida (Einstein, mas de autoria não confirmada).
Com um pouco de esforço, algumas tinturas, quatro asas, e um espartilho disfarçando a barriga, consegui entrar na colméia. Era cedo e a maior parte das operárias já batia o ponto longe dali.
De entrada, varejei pra longe, no safanão, um zangão que me olhava interessado nas partes subalternas.
– Respeito é bom e todo mundo gosta! – gritei.
A sociedade, e até o que apanhou, ainda com as seis patas pra cima como quem andasse de bicicleta, aprovou.
Sob disfarce, estava ali para investigar o sumiço de abelhas. Revistas especializadas davam conta de que, nos últimos dois anos, só nos Estados Unidos, 37% das colmeias acabaram.
– No Brasil também houve grandes perdas. Também na Austrália, China, Canadá e outras regiões – eu gesticulava para chamar a atenção – Um terço da produção agrícola mundial depende das abelhas. As monoculturas demandam intensa atividade polinizadora por curtos períodos do ano.
– E os morcegos? E as abelhas silvestres? A sonoridade da voz não deixou dúvidas. Curvei-me, respeitosamente: – Majestade…
– Por favor, continue – ela disse, saboreando um naco de geleia real.
– Eles não dão conta. Só vocês, digo, apenas nós, organizamos exércitos polinizadores em qualquer época, onde haja flores a visitar – respondi.
– Um altruísta entre nós! – sorriu ela, fixando seus cinco olhos em mim.
– A rainha tem ciência de que, se continuarmos sumindo, ficarão sem polinizadores as culturas de milho, batata, trigo, arroz, frutas, legumes, brócolis, conservas e até o leite de vaca! Uma desmoralização para nós.
– Leite? – estranhou uma operária bebê, cheirando o ar com suas antenas.
– Sim – socorreu um idoso zangão – nos milhares de voos nupciais de que participei, e retornei de mãos abanando, pude ver que vacas confinadas exigem ração rica em proteínas, que depende de polinização.
E, aproveitando: – Mas, o que tem feito nossos parentes desaparecerem?
– Má nutrição é uma delas. Não temos mais a variedade de flores para coletar alimento. Os cultivos em grandes extensões não deixam mato ou cerca viva.
Extensos gramados, para nós polinizadores, são como desertos. As defesas naturais das abelhas podem estar enfraquecidas por má nutrição.
Eu ia falando e o povinho ia chegando mais perto. A rainha, com um lenço bordado, enxugou uma pocinha embaixo dos olhos. Continuei:
– Análises de amplo espectro, sensível a fungicidas, inseticidas e herbicidas, revelou mais de 170 substâncias diferentes no corpo das abelhas, a maior parte armazenadas de polens.
– Tonteia, mas não mata – zuniu uma ofegante operária que chegava.
– Diretamente, não – eu disse – entretanto, eles inibem nossas respostas imunitárias. Ficamos mais vulneráveis ao ataque de ácaros e vírus. Por sinal, o vírus da paralisia aguda israelense (IAPV) tem matado muitas das nossas por convulsões paralisantes.
A colmeia estava muda. Pisei mais fundo: – Em Brotas, no vizinho estado de SP, em um único caso, a pulverização aérea exterminou 200 colmeias! Exposições a doses subletais de veneno fazem abelhas perderem a direção do caminho de casa. E, desaparecem.
– Pensei que a gente fosse importante… – encolheu-se a pequena operária.
– É claro que somos! – amparei-a, como quem tirasse uma faca de seu peito – Veja você: uma única abelha, em busca de pólen e néctar, visita 10 flores por minuto. Ao fim de um dia, fazendo em média 40 voos, ela toca 40 mil flores. E, uma colmeia chega a ter 80 mil abelhas. Para chegar a 1 quilo de mel, precisamos retirar néctar de 5 milhões de flores.
Como 30% da produção mundial de alimentos depende da polinização que fazemos, só em valores econômicos, nossa contribuição é de 9,5% do valor da produção agrícola. Ou seja: US$ 135 bilhões ao ano. Não somos importantes?
Ela sorriu. E um zum zum de satisfação percorreu a colmeia. Foi quando a rainha, levantando-se, determinou:
– Ficaremos longe das plantações que contenham herbicidas, fungicidas e os mortais inseticidas.
Doravante, ao mínimo ronco de motores dos aviões polinizadores, sumiremos do mapa! Daremos preferência à polinização de áreas com cultivo de espécies vegetais variadas e, o que é melhor, vamos criar um esquadrão especializado em repolinizar espécies nativas! Este é o Plano Real. É isso ou bye bye bee! [N.T: tchau tchau abelha!]. Ao trabalho!
Enquanto eles se organizavam, me espremi entre um favo e outro e, lambuzado de mel, mas satisfeito, pulei pra fora. Já longe da colmeia, percebi que minha cara estava azul e, de pescoço, só duas veias estufadas.
– O espartilho!!! – dei um tapa na testa.
Afrouxando o danado, pude estufar a barriga, desinchando o pescoço.
E fui voando pra casa, botar mel na minha pinga.
Luiz Eduardo Cheida
Gastroenterologista e Hepatologista em Londrina