Estávamos, meu cachorro e eu, jogando uma partidinha de truco quando a notícia, qual ave de mau agouro, pousou em cima da mesa:
PIMENTÃO É QUEM CONTÉM MAIS AGROTÓXICO, AFIRMA ANVISA
– Que falou a ministra Nísia? – rosnou ele.
– Que “já mandei tirar o pimentão lá de casa” – respondi.
– Bati! – gritou meu cão.
– Como, bateu? Isso é jogo de truco, cãopadre…
– Bati a canela na mesa – lamentou-se ele, começando a lamber aquela parte da perna.
Era assim que o caldo entornava quando, na asinha da noite, depois de um dia suado, chegava uma ou outra notícias dessas.
Quem poderia pensar? Em uma escala de zero a cem, o pimentão ficava com 64,36% de agrotóxico; o morango, com 36,05%; a uva com 32,07%; a cenoura com 30,39%; a alface com 19,80 e o tomate com 18,27%. E, agrotóxicos proibidos tais como o Ometoato, encontrado no abacaxi, ou o Metamidofós, usado no tomate, já proibido em dezena de países mas liberado nesta Terra de Santa Cruz, valha-me, Senhor!
– É osso duro de roer! – blasfemei entre os dentes. Mas, descartando um asmático ás de espadas, foi ele quem filosofou:
– De notícias tão ruins, até que eu extraí um caldinho de coisa boa: a ANVISA divulgando uma lista de alimentos com veneno. Você já tinha visto isso? Enfim, há vida inteligente naquele planeta.
Cobri o magricela ás de espadas, com um estufado dois de ouros, e tornei. Não gasto vela com defunto ruim.
Meu cão e eu tocamos uma roça de ameia aqui no Paraná. Somos 4.107 produtores de orgânicos que, desde há anos, acreditam que o veneno não seja a solução. E esse povinho só vem aumentando:
Há 20 anos, éramos apenas 300, produzindo 4 toneladas ao ano. Hoje, já produzimos 50 mil toneladas/ano, o que faz de nosso Estado, com 16% da produção de orgânicos do país, o maior produtor de orgânicos do Brasil.
A Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica credita essa expansão, em grande parte, ao aumento de custos da agricultura convencional, à degradação do meio ambiente e à crescente exigência dos consumidores por produtos ditos limpos, livres de substâncias químicas ou geneticamente modificadas.
Também é crescente o número dos que consideram que deveriam ser computados aos custos de produção convencional, os valores que a sociedade, indiretamente, paga pela contaminação ambiental e alimentar, perda de produtividade de solos, uso inadequado da água, assoreamento de rios, perda de biodiversidade, êxodo rural, dentre outros desequilíbrios que a produção orgânica reduz e até consegue evitar.
Some- se a isso, a certeza científica de que agrotóxicos são indutores de doenças malignas como câncer e outras neoplasias. E que, segundo dados de 2023 do Instituto Nacional do Câncer (INCA), nos próximos 24 meses o Paraná terá 110 mil novos casos de câncer. Ou seja: um caso novo de câncer a cada 15 minutos! Só isso já nos daria razão mais que suficiente para invertermos a lógica de nossa produção agrícola tradicional.
Já ia alta a lua crescente, borrada por um sujinho de nuvem quando, de um pulo, o cãopadre subiu na cadeira, uivando como um demente:
– Truco! Tru-uuuuco! – salivava.
– Quero ver! Quero ver! – rebati, sem lembrar que não tinha comigo carta nenhuma que pudesse com as dele.
Foi quando, num gesto de total desprezo, ele mandou um 7 de copas, depois um 3 e, de quebra, derrubou na mesa um outro ás.
– Cadê meu zap? – choraminguei.
Mas, o cão já ia longe, festejando mais uma surra de baralho neste que vos fala, espantando as más notícias, pensando apenas nas coisas boas que ainda podemos fazer por este Brasil.
P.S. O zap é a maior carta do Truco. Depois dela, vem o 7 de copas, a espadia e o 7 de ouros. Quando jogamos, meu cãopadre tem a prudência de imobilizar seu rabo, atando-o a uma das pernas. Afinal, qualquer manifesta satisfação de um jogador pode botar a perder toda a ciência deste jogo cheinho de mil astúcias.
Texto: Luiz Eduardo Cheida, médico gastroenterologista em Londrina