Se a medida por aprovada, o orçamento passará de R$ 5,3 milhões para R$ 3,3 milhões
Nesta quinta-feira (15), a Câmara Municipal de Londrina vota projeto, proposto pelo vereador Santão (PSC), que determina a retirada de R$ 2 milhões do orçamento destinado ao Programa Municipal de Incentivo à Cultura (Promic) a partir de 2023. Na última segunda-feira (12), as Comissões de Justiça, Legislação e Redação, Finanças e Orçamento deram parecer favorável à proposta.
A justificativa do parlamentar é que o dinheiro seja realocado para outras pastas, a saber: Saúde (R$ 1 milhão), Defesa Social (R$ 500 mil) e Fundação de Esportes de Londrina (R$ 500 mil). No plano orçamentário apresentado pela Prefeitura de Londrina para o próximo ano, a Secretaria Municipal de Cultura conta com verba de R$ 15, 5 milhões, sendo R$ 5,3 milhões reservados para o Promic.
A medida tem despertado muitas críticas de trabalhadores da Cultura, conforme aponta Luiza Braga, design e integrante dos coletivos Quizomba e Maracatu Semente de Angola. De acordo com ela, atualmente, a categoria já enfrenta um cenário desafiador. “A gente conta com uma fila de espera bem grande e um orçamento que está defasado há anos. É uma luta de muito tempo do Conselho Municipal de Cultura que representa a classe trabalhadora cultural conjuntamente com a Secretaria Municipal de Cultura”, indica.
Braga lembra que o segmento foi um dos mais afetados pela pandemia da Covid-19 e a consequente suspensão das atividades presenciais a fim de evitar a disseminação da doença. “Muitos produtores não tiveram acesso integralmente a verbas emergenciais do Aldir Blanc [Lei Federal nº 14.017, criada durante a crise sanitária, a legislação revê o pagamento de auxílio emergencial a artistas, produtores, técnicos e espaços culturais] e agora retomando os trabalhos, a gente encontra a realidade de que não tem verba para atender todos os projetos que têm mérito para serem executados”, ela conta.
Para ela, se o projeto for aprovado, diminuindo ainda mais o recurso já desatualizado, as produções culturais serão inviabilizadas no município, visto que o Promic é responsável pela organização de eventos e projetos com diversas linguagens artísticas e uma referência para outras cidades, inclusive, pelo modelo de fomento.
“Vamos ter um desmantelamento do Promic, lembrando que ele abarca festivais já tradicionais na cidade como o Filo, de Circo, Música, Dança. Também comtempla projetos de produtores e de coletivos como o Brisa, o Canto em Cada Canto, o próprio Quizomba que, infelizmente, neste [próximo] ano não fará parte do Promic. Ele está em lista de espera e não sabemos como será executado. Diminuir a verba pela metade é inviabilizar estes projetos. É um desastre, é inconsequente”, alerta.
A sensação de desalento é compartilhado pela educadora musical, compositora e cantora Camila Taari. Ela que também é produtora cultural e membra dos coletivos Mulheres na Roda de Samba, Tricantumconto, Alma Cultural Vila Brasil e do projeto O Canto em Cena, explica que, atualmente, o financiamento dos eventos culturais em Londrina ocorre, predominantemente, através de recursos públicos. “As vilas culturais vão deixar de existir, as oficinas gratuitas distribuídas pela cidade também vão deixar de existir, porque não temos apoio privado. Eu trabalho com teatro infantil e já corri muito atrás de parceria e é muito difícil”, relata.
“A gente quer comida, diversão e arte”
Braga afirma também que o projeto traz a sensação de que existe uma oposição entre as áreas da Cultura e Saúde, por exemplo. Porém, esta compreensão não corresponde à realidade, já que o acesso a ambos são direitos, assegurados pela Constituição Federal de 1988, e, portanto, devem ser promovidos pelo Estado. Ainda, ela sinaliza que os trabalhadores da Cultura estão mobilizados para impedir que a iniciativa avance, visto os prejuízos não só para a classe, mas para a sociedade amplamente.
“Nós pretendemos estar presentes hoje na votação para demarcar nossa presença, nós fazemos parte desta cidade. Estamos em diálogo com os vereadores para demonstrar a importância da cultura, de não a desvalorizar e dar margem para mais este ataque a uma área tão importante da nossa cidade que faz muito não só pela economia, mas, principalmente, para a população, pois o que a gente faz são serviços culturais”, afirma.
Taari também avalia que os londrinenses sentirão as consequências, pois os eventos tendem a movimentar outros campos da cidade como a economia local, além de contribuir para a qualidade de vida física, mental. “Muitos artistas vão ficar desempregados e com muitas dificuldades de desenvolver seus projetos. Mas acho que a população será a mais afetada, inclusive, o comércio porque todos se beneficiam quando tem uma apresentação cultural. Eu não vejo uma possibilidade de fruição cultural como temos hoje se não existir o Promic. A gente precisa compreender que cultura é saúde pública, um bem necessário para a população e um direito de todos nós como cidadãos”, assinala.
Porém, segundo ela, as camadas mais empobrecidas da população, residentes nas margens da cidade serão ainda mais penalizadas pela interrupção das atividades. “Londrina tem um polo cultural muito forte. Temos a Funcart [Fundação Cultura Artística de Londrina], a UEL [Universidade Estadual de Londrina] e muitos artistas brotam destes espaços. Na música, artes cênicas e visuais, cinema e vários outros setores de cultura popular. Eu acredito que muitos dos trabalhos que hoje estão inseridos em periferias, em regiões descentralizadas de maneira gratuita só são possíveis graças ao Promic”, ressalta Taari.
Em sessão tumultuada, a proposta foi rejeitada por ampla maioria da Casa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.