O capitalismo industrial clássico produzia riqueza pelo simples fato de produzir mercadorias. Lógico que a exploração dos trabalhadores fazia parte deste processo, mas os investimentos eram contínuos, sempre gerando mais indústrias, mais produtos e mais empregos, o que veio a caracterizar, já no século XX, a Indústria Fordista com o slogan “produção em massa e consumo em massa”. O Estado, capitalista, era também um grande indutor de desenvolvimento com investimentos na infraestrutura, a produção de energia, ferrovias, rodovias etc. Foi assim que os Estados Unidos se transformaram numa grande nação.
As inovações tecnológicas conseguidas depois da Segunda Guerra Mundial, como computadores, aviões a jato, telecomunicações via satélite, desenvolvimento da telemática, robotização, contêineres, super navios cargueiros, entre outras, permitiram ao capital se desvencilhar das amarras dos limites do Estado Nação. Assim, o capital passou a ter uma nova forma de atuação no espaço geográfico, mais global, que culminou no processo de globalização.
Essas inovações tecnológicas, juntamente com o neoliberalismo, uma abertura forçada dos mercados liderada pelos EUA e sob o comando das grandes corporações multinacionais, fizeram com que os investimentos produtivos de capitais se deslocassem pelo espaço como nunca. Quase sempre procurando por mão de obra mais barata, leis generosas e concessões governamentais, esses investimentos, em grande parte, se deslocaram para a China, sudeste asiático e outras partes do mundo, buscando sempre lucrar mais em decorrência dos baixos salários. Este foi o pontapé para que os EUA e parte da Europa passassem a trocar, em seus territórios, um capitalismo produtivo por um capitalismo rentista financeiro e parasitário.
Os países do centro do sistema passaram, desta forma, a investir cada vez mais num capitalismo financeiro que procura, de várias formas, se reproduzir por meio de papéis de bolsas de valores, ações ou títulos, ou tentando controlar ativos governamentais em processos de privatização pelo mundo a fora. Aqui o conceito de acumulação via espoliação de David Harvey é elucidador.
Os investimentos que eram revertidos para mais produção do capitalismo produtivo agora são direcionados para aumentar os dividendos dos acionistas de grandes empresas, o que faz com que, consequentemente, essas ações subam de preço, gerando novos ganhos.
É evidente que, nesta ciranda financeira, são poucos que acabam ganhando, ao mesmo tempo que prejudicam o desenvolvimento da nação. Os contínuos aumentos de preço dos combustíveis pela Petrobrás, nos últimos anos, com o objetivo de equipará-los aos preços internacionais, é um bom exemplo disso. Quem perde é o Brasil, com o baixo desenvolvimento, e o povo brasileiro, que paga muito caro pelos combustíveis num país com boa produção de petróleo; quem ganha e muito, são os acionistas majoritários, muitas vezes se tornando mais milionários do que já são. Daí o parasitismo deste sistema capitalista financeiro, que ganha em detrimentos de outros e neste caso, o hospedeiro é a sociedade como um todo! É um ganho que não é lastreado pela produção de bens e mercadorias, mas sob valorizações muitas vezes fictícias e manipuladas, numa ciranda financeira que beneficia esses privilegiados, tudo sob o controle do Federal Reserve dos EUA, do FMI e do Banco Mundial.
O resultado é um empobrecimento social dos países do centro. O jornalista Chris Hedges explicitou este fato em reportagem recente: “os EUA é uma nação que está presa na espiral da morte do militarismo incontrolável. Não há trens de alta velocidade. Não há serviços universais de saúde [pública]. Não há um programa viável de assistência contra o Covid. Não há suspensão temporária para a inflação de 8,3% ao ano. Não há programas de infraestrutura para consertar as estradas e pontes com deficiências estruturais que têm 68 anos de idade, em média. Não há perdão para os US$ 1,7 trilhões em dívidas estudantis. Não se aborda a inequalidade de renda. Não há um programa para alimentar as 17 milhões de crianças que vão para a cama com fome a cada noite. Não há um controle racional das armas, nem de inibir a epidemia de violência niilista e as matanças em massa”. É bom lembrar que estamos falando dos EUA.
Este sistema financeiro parasitário ganhou o mundo nos anos 1990 e se reafirmou com a queda do muro de Berlim. Nesta mesma década a Rússia aderiu ao sistema, mas percebeu que estava se tornando um país dependente e pobre; a partir daí, corrigiu suas políticas internas e passou a adotar políticas mais soberanas, defendendo sua indústria e a produção de seus recursos das privatizações parasitárias.
A China se tornou em pouco tempo em uma potência econômica pelo fato de ser aquela que, utilizando-se de sua mão de obra barata, passou a produzir tudo que o mundo precisa, já que o centro do sistema abriu mão desta função.
Rússia e China hoje se constituem naquilo que sobrou do capitalismo produtivo e resolveram que não vão mais permitir a vassalagem histórica diante de um capitalismo financeiro parasitário, mesmo sabendo que este controla a aliança militar OTAN, o FMI, o Banco Mundial e a Mídia Corporativa Mundial. A guerra que estamos vendo entre Rússia e Ucrânia é nada mais que o reflexo do embate entre um capitalismo financeiro parasitário do ocidente e um capitalismo produtivo da China e Rússia. O mundo nunca mais será o mesmo.