Em Curitiba, quase 13 mil crianças esperam na fila por uma vaga. Dados foram obtidos pelo Núcleo da Infância e da Juventude da Defensoria Pública do Paraná
Em 2022, 133 municípios paranaenses (33% do total) relataram à Defensoria Pública do Paraná (DPE-PR) um déficit na oferta de vagas em creches para crianças de zero a três anos. Isso significa que cerca de 42 mil crianças não puderam acessar a educação infantil em algum momento no ano passado. Os dados, que foram divulgados nesta terça-feira (16), fazem parte de um levantamento realizado pelo Núcleo da Infância e da Juventude (NUDIJ) da DPE-PR.
Os dados mostram que, desde 2019, o déficit de vagas na educação infantil quadruplicou no estado. Naquele ano, a fila de espera tinha 10.4 mil crianças. O número aumentou para 10.5 mil em 2020, 18.6 mil em 2021 e 41.6 mil em 2022. Atualmente, são 108 mil vagas existentes e/ou ocupadas nos municípios, conforme o levantamento. Em Curitiba, 12.885 crianças esperam por uma vaga nas creches da cidade.
De acordo com o coordenador do NUDIJ, defensor público Fernando Redede, a falta do serviço impacta diretamente não só na educação, mas na saúde física e psicossocial das crianças. Por isso, para Redede, é fundamental que os municípios aloquem recursos para o crescimento contínuo na oferta de vagas em creches, já que a Constituição e o Estatuto da Criança e dos Adolescente (ECA) garantem prioridade na formulação e na execução de políticas públicas a esse grupo populacional.
“A oportunidade de a criança estar na creche acarreta a garantia de ela estar o dia todo em um ambiente adequado para seu desenvolvimento sadio e, ao mesmo tempo, propicia condições para que seus responsáveis, sobretudo de mães que são as únicas responsáveis pela economia da casa, possam trabalhar com a segurança de que seus filhos e filhas estão em um lugar seguro e bem cuidados. A ausência da creche para a criança que necessita dela pode trazer prejuízos não apenas para ela, que passaria a ficar sem os cuidados necessários e importantes para sua idade, mas para a economia de sua família como um todo”, afirma.
Monitoramento das vagas
Com o resultado do levantamento, o NUDIJ estabeleceu que passará a monitorar as políticas públicas voltadas à criação de vagas em creches a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) em um caso de Santa Catarina, julgado em setembro de 2022. Na ocasião, o Supremo decidiu que, como a educação básica é um direito fundamental e é dever do Estado assegurar vagas em creches e na pré-escola às crianças de até cinco anos de idade, a garantia deve ser direta e imediata.
A Defensoria abrirá procedimentos administrativos em separado para Curitiba, Cascavel, Colombo, Fazenda Rio Grande, Sarandi, Paranaguá, Araucária, Arapongas e Pinhais, em razão desses municípios contarem com filas que ultrapassam mil crianças aguardando vagas em creches. Procedimentos individualizados também serão abertos para municípios com mais de 200 mil habitantes, como Londrina, Maringá, Ponta Grossa, São José dos Pinhais e Foz do Iguaçu.
Por meio do procedimento administrativo, o defensor pode realizar diligências para verificar um fato ou o cumprimento de uma política pública, como é o caso da oferta de vagas em creches nos municípios. Ao fim do procedimento, o defensor avalia a necessidade de ingressar ou não com uma ação civil pública na Justiça contra o município.
Além disso, nas comarcas em que a Defensoria Pública está presente, os defensores irão trabalhar em conjunto com o NUDIJ para criar uma estratégia específica para a região. Se não houver Defensoria, o Núcleo cobrará, a partir do Plano Municipal de Educação, um detalhamento de como são registrados os pedidos de vagas em creches e o tempo médio entre a solicitação e disponibilização da vaga.
O levantamento
Em abril de 2022, o NUDIJ, junto de defensores e defensoras públicas da área da Infância Cível, solicitou a 393 municípios do Paraná informações a respeito do total de crianças que aguardavam vagas em creches; se havia previsão para a criação de nova vagas; e o total de vagas existentes atualmente.
Ao todo, 220 cidades responderam. Os dados do levantamento serão atualizados pelo menos uma vez ao ano, na medida em que o Núcleo for recebendo as respostas dos municípios. As cidades que ainda quiserem responder ou que pretendem enviar uma atualização dos dados podem entrar em contato pelo e-mail nudij@defensoria.pr.def.br.
Aumento da demanda
A Defensoria disponibiliza atendimento na área de Infância e Juventude Cível em 26 comarcas do estado que abrangem juntas 68 municípios. Ao receber uma demanda de vaga em creche, a equipe da Defensoria busca, primeiramente, resolver a questão de forma extrajudicial, por meio de um ofício encaminhado ao órgão municipal competente. Caso o município não atenda ao pedido, a solicitação pode ser judicializada.
Só no ano passado, a Defensoria realizou 15.811 atos na área da Infância e Juventude, o que significa um aumento de 60% no atendimento. Na avaliação de defensores da área, o crescimento foi influenciado principalmente por pedidos de assistência jurídica de pais e mães para a obtenção de vagas em creches.
“O crescimento da demanda mostrou que os serviços ofertados eram insuficientes para atender às necessidades das famílias. Nós, então, solicitamos algumas informações em todo o estado e verificamos que não se tratavam de questões pontuais, em um ou outro município, mas em várias localidades do Paraná”, destaca Redede.
Atuação da Defensoria
Kauana Nadolny de Oliveira Burigo, 32, moradora do bairro Barreirinha, em Curitiba, estava aguardando vaga na creche para a filha há um ano. Durante esse tempo, precisou sair do trabalho para ficar com a criança. Foi quando decidiu procurar o posto da Defensoria na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep). Após um mês, Kauana conseguiu uma vaga para a filha.
Só em 2023, o posto da Defensoria na Alep atendeu 80 casos de pedidos de vagas em creches. O coordenador do posto, defensor público Matheus Munhoz, explica que atender a demanda de forma extrajudicial, como foi o caso de Kauana, permite uma resolução mais rápida e simples da questão, com diálogo entre a instituição e o município de forma direta.
Conforme Redede, além de proporcionar uma resolução mais rápida, o caminho extrajudicial para conseguir a vaga em creche evita a perda do direito pela passagem do tempo que o processo leva para tramitar na Justiça. Em muitos casos, a criança passa da idade permitida para frequentar a creche e acaba não tendo o acesso à vaga garantida.
A moradora do Umbará, em Curitiba, Janaína Magalhães, aguarda vaga para o filho de três anos desde março de 2022. O direito à vaga tinha sido conquistado em abril deste ano, mas o município conseguiu suspender a decisão com recurso no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR).
“É muito triste uma mãe ter que ficar implorando para que seu filho possa ir para a escolinha, quando na realidade seria um direito dele”, disse Janaína, que precisou parar de trabalhar para cuidar da criança.
Para reverter casos como esse, a Defensoria trabalha para mudar o entendimento do Tribunal sobre o tema, uma vez que na prática, decisões a favor do município têm impedido a efetivação da matrícula de crianças em creches.
Fonte: Jornal Plural