Candidatos denunciam irregularidades na aplicação do CNU. Entre elas, falta de treinamento de fiscais e erro no edital do concurso
Camila Mendes, de 39 anos, é nutricionista e fez, no dia 18 de agosto, a prova do Concurso Nacional Unificado (CNU) em Valparaíso. Ela e um um grupo com mais de 4,6 mil candidatos de todo o país, até o momento, reunidos em três canais de comunicação, denunciam uma série de irregularidades na aplicação do concurso.
Entre elas, falta de isonomia, a suposta ausência de treinamento e orientações erradas por parte dos fiscais da prova e, até mesmo, um erro no edital.
Nas redes socias, o grupo de candidatos que se sentem lesados pela aplicação do CNU compartilham suas experiências com o primeiro concurso unificado. “Dediquei a minha alma para essa prova. Estudei por meses. Meus fiscais atrasaram na aplicação da prova”, escreveu uma candidata.
“Na minha sala geral esqueceu de marcar o tipo de gabarito e a fiscal ficou com pena e pintou de quem tinha esquecido. Inclusive a minha”, escreveu outro.
Mais: “Sou PCD (baixa visão) e realizei a prova do CNU com atendimento especial. A prova veio ampliada, mas o gabarito estava em tamanho normal. Além disso, as duas fiscais afirmaram que bastava a frase para identificação do caderno incluisve, conferiram nossos gabaritos, dizendo que estavam ‘ok’”, relatou uma das pessoas aà Camila, que reúne diversas denúncias.
Em alguns comentários, outros estudantes afirmam que fiscais não estariam acompanhando os concursandos nas saídas da sala durante a prova e permitindo a entrada de estudantes após o início do exame.
Em alguns locais, as salas não teriam detector de metais e candidatos estariam usando aparelhos celulares, tirando fotos e fazendo filmagens. Até mesmo, anotando suas respostas em sacolas plásticas.
No Recife, um grupo de candidatos afirma que teve acesso antecipado ao caderno de prova de conhecimentos específicos do Bloco 4 pela manhã. As questões seriam aplicadas no turno da tarde também.
“Não sabiam nem onde estavam”
“Eles [os fiscais] não sabiam nem onde estavam, nem que prova que era. De todas as coisas que tenho chateação com esse concurso, a maior foi a total falta de respeito e despreparo. Eles ficavam rindo na sala, parecia que era uma brincadeira. Parecia que não tinham orientação. Faltou treinamento”, denuncia Camila Mendes ao Metrópoles.
Ela conta ter sido prejudicada de diversas formas pela falta de organização dos fiscais de prova.
Segundo a candidata, ficou claro que os fiscais estavam “confusos” na hora da marcação do horário, anotado no quadro com intervalos de meia hora. Quando ela meia hora passava, eles apagavam.
“Mas os fiscais estavam apagando o horário uma hora antes do que realmente era. Quando eu olhei para o quadro e vi ’11h’ me desesperei. Tive que chutar várias questões. Rasurei várias partes da redação, minha mão suava. Mas, na verdade, eu ainda tinha uma hora de prova”, apontou.
Camila afirma que gastou mais de R$ 3 mil em um curso preparatório para o CNU, em Brasília, e que começou a se preparar em janeiro. “Eu chorava e as lágrimas caíam na prova. Na primeira noite, não dormi, fiquei muito arrasada. Foi horrível.”
Suposto erro no edital do CNU
Entre as várias denúncias contra a aplicação do concurso, as principais delas são a identificação do cartão-resposta no gabarito final e a orientação dos fiscais nesta etapa.
No edital do Concurso Nacional Unificado, no item 8.12.1, foi determinado que o candidato deveria marcar o “tipo de prova”, que estaria na capa da prova, nos cartões-resposta, “sob pena de eliminação”.
Entretanto, com provas em mãos, os canditatos se depararam com duas informações no caderno de questões: o tipo de prova e o tipo de gabarito.
Veja abaixo o trecho que consta no edital e as instruções presentes no caderno de questões:
Nas instruções escritas no caderno de questões era pedido que o candidato sinalizasse o “tipo de gabarito” nos cartões-resposta. A instrução difere da expressa anteriormente no edital.
De acordo com o advogado José da Silva Moura Neto (OAB/DF 40.982), especialista em direito administrativo, essa norma dúbia atrapalha e teria, justamente, o objetivo de eliminar os candidatos.
“O candidato está eliminado pelo edital se fizer o que a prova manda, do mesmo jeito que está eliminado pela prova se fizer o que o edital manda. O STJ entende que o edital do concurso deve ser escrito de forma clara e objetiva. Quando a interpretação é subjetiva, o certame é passível de anulação”, explicou.
Ele acredita que “houve quebra de isonomia no CNU”.
“O princípio da isonomia veta tratamento diferenciado entre candidatos. Apenas com as denúncias de que fiscais teriam preenchido alguns cartões-reposta, essa regra já seria rompida, o que poderia gerar anulação do concurso”, afirmou Moura Neto.
Segundo Camila, os fiscais induziram os candidatos ao erro durante a marcação do cartão resposta. “Metade da minha sala não marcou o tipo de gabarito porque fomos orientados a isso”, afirma.
“Fomos avisados que não seríamos eliminados e que apenas escrever a frase de identificação era necessário. Várias pessoas relataram que foi afirmado que tudo estava ‘ok’ com o seu gabarito.”
O Metrópoles teve acesso ao Manual do Fiscal de Sala da Fundação Cesgransrio, direcionado para a aplicação do Concurso Público Nacional Unificado.
No documento fica explícito que o fiscal deveria verificar se os candidatos estavam preenchendo corretamente o número do gabarito e transcrevendo a frase da capa da prova nos Cartões-Resposta.
Leia o manual:
Camila recebeu, de um outro candidato, um áudio que registra uma conversa entre fiscais.
Nele é afirmado que oito candidatos do local não teriam marcado o tipo de gabarito após os fiscais sinalizarem que estava ‘”tudo ok” e que, caso o candidato tivesse transcrevido apenas a frase de identificação no cartão-resposta, já seria o suficiente para a correção.
O grupo de candidatos do qual Camila faz parte denunciou o ocorrido, tanto em relação ao comportamento dos fiscais, quanto em relação ao suposto erro no edital, ao Ministério Público Federal (MPF).
“O que nós queremos é que nossas provas sejam corrigidas, mesmo aquelas que não estão marcadas o tipo de gabarito. O edital e o design da prova deixou dúvidas nos canditados. Se não tiver como corrigir vamos entrar na Justiça com todas as provas dos erros”, finalizou.
O que dizem o MGI e a Fundação Cesgranrio
O Metrópoles entrou em contato com o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), responsável pelo planejamento do CNU, e com a Fundação Cesgranrio, banca que produziu o exame, sobre as denúncias feitas pelos candidatos e expostas na reportagem.
Em nota, a Fundação Cesgranrio e o MGI informam que, quanto aos fiscais de prova, as “intercorrências pontuais foram resolvidas, e não prejudicaram a aplicação. Casos pontuais estão sendo relatados pelos coordenadores de aplicação de cada local de prova para posterior avaliação da organizadora do CPNU.”
Sobre a marcação no cartão-resposta, a banca avaliadora alega que “constava por escrito na capa das provas a instrução para que o candidato fizesse a marcação do tipo de prova. Conforme consta em edital, trata-se obrigação dos candidatos ler com atenção antes de finalizar o preenchimento e a entrega do cartão-resposta.”
O MGI complementa afirmando que consta no edital que o candidato será eliminado caso não siga as instruções que estão na capa da prova.
“Portanto, edital e prova não deixam equívocos quanto a necessidade de cumprimento das instruções e a possibilidade de eliminação em caso descumprimento”, diz a nota.
Confira o trecho do edital:
8.17 – O candidato será sumariamente eliminado deste Concurso Público Nacional Unificado se: a) lançar mão de meios ilícitos para realização das provas; b) perturbar, de qualquer modo, a ordem dos trabalhos, incorrendo em comportamento indevido ou descortês com qualquer dos aplicadores, seus auxiliares ou autoridades ou outros candidatos; c) atrasar-se ou não comparecer a qualquer das provas; 27 d) apresentar-se em local diferente dos previstos nos Cartões de Confirmação de Inscrição ou nas listas de alocação disponíveis no endereço eletrônico do Concurso Público Nacional Unificado (https://www.gov.br/gestao/ptbr/concursonacional/); e) afastar-se do local das provas sem o acompanhamento do fiscal, antes de ter concluído as mesmas; f) deixar de assinar a Lista de Presença e/ou respectivo Cartão-Resposta; g) ausentar-se da sala portando o Cartão-Resposta e/ou o Caderno de Questões; h) não entregar o material das provas ao término do tempo destinado para sua realização; i) descumprir as instruções contidas nas capas das provas; j) identificar a prova, em outro lugar que não o apropriado, por meio de símbolos, sinais, marcas, palavras, etc.
Fonte: Metrópoles