Entre 193 países, o Brasil aparece no 131º lugar em relação à representatividade das mulheres
O primeiro dia de atividades da 10ª Cúpula de Presidentes de Parlamentos do G20 (P20) foi dedicado ao debate sobre a implementação das propostas que surgiram da 1ª Reunião das Mulheres Parlamentares do P20, realizada no mês de julho, em Maceió (AL). As pautas falaram sobre justiça climática e do desenvolvimento sustentável sob a perspectiva de gênero e raça, ampliação da representatividade feminina em espaços decisórios e o combate às desigualdades de gênero e raça.
“A primeira reunião de mulheres parlamentares do P20 marca um importante avanço na nossa diplomacia parlamentar e nos permite reforçar o compromisso com o desenvolvimento inclusivo, justo e sustentável ao nível global”, declarou a líder da bancada feminina no Senado Federal, a senadora Leila Barros (PDT-DF). “Os impactos das mudanças climáticas recaem de forma desproporcional sobre as mulheres e populações mais vulneráveis. Nesse fórum, temos a oportunidade de compartilhar legislações, políticas públicas e boas práticas que promovam uma transição ecológica justa e inclusiva”, completou.
A presidente da União Interparlamentar (UIP), Tulia Ackson, defendeu a paridade de gênero nos espaços de decisão e ressaltou o papel das mulheres no enfrentamento da emergência climática. “A desigualdade de gênero ainda é muito limitada, especialmente nas decisões políticas, as mulheres são só 27% dos parlamentares globalmente, e somente 23% são presidentes de parlamento. Temos que garantir a paridade 50% dos parlamentos”, disse.
“A urgência da ação climática não pode ser minimizada. A liderança de mulheres é fundamental para trazer políticas de clima justas e sustentáveis. Mulheres, especialmente as que vivem em comunidade vulneráveis, são as primeiras a enfrentar os impactos das mudanças climáticas e suas perspectivas são essenciais”, ressaltou Ackson.
“Ao abraçar as minhas parceiras de luta e de classe, ao experimentar as necessidades da nossa comunidade, eu entendi que sem representatividade política não conseguimos muita coisa”, disse a líder da bancada feminina na Câmara, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), que destacou ainda o abismo que separa as mulheres dos espaços de representação, sobretudo das mulheres negras.
“Muitas pessoas ainda nos perguntam o porquê desse recorte, se somos todos iguais. Eu então pergunto: se fosse assim, não teríamos levado 400 anos para ter o direito de votar e sermos votadas e conquistar um assento no parlamento. Se fôssemos iguais, nós teríamos [a luta pela] paridade. Ela seria uma realidade em nossas vidas. Não haveria desigualdades salariais, não seríamos responsáveis pelos cuidados da casa e da família sozinhas, às vezes abrindo mão dos estudos, carreiras, bons empregos e autonomia. Se fôssemos iguais, a violência não seria tanta, e tudo piora se levarmos em conta a cor de mais da metade da população, quando falamos de Brasil.”
Arthur Lira e as contradições
A sessão desta quarta-feira foi presidida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que destacou os dados mundiais sobre a representação feminina e disse que o Brasil está próximo da média de 25%, sem mencionar o baixíssimo nível em comparação aos demais países do G20.
“A média mundial de representação feminina nos parlamentos é de 25%. Nos países que integram o P20 é um pouco superior, 29%. No caso do Brasil, a representação feminina no Legislativo federal está próxima aos 20%, nesta que é a legislatura com maior número de deputadas e senadoras na história do nosso parlamento”, declarou Lira.
Arthur Lira recebe das líderes das bancadas femininas no Senado e na Câmara, Leila Barros e Benedita da Silva, a carta de Maceió, com recomendações ao G20 sobre a pauta de gênero / Saulo Cruz/Agência Senado
Entre 193 países, o Brasil aparece no 131º lugar em relação à representatividade das mulheres, sendo o que apresenta o pior nível entre os países do G20. O país fica atrás inclusive da Arábia Saudita, onde muitos direitos civis das mulheres são limitados pela monarquia que governa o país. “Quando o presidente trata isso, primeiro ele evidencia o que eu tenho dito: não é crível, a gente não pode aceitar, um país com uma maioria de mulheres votantes não tem representação feminina ainda. Achar que é um ganho 20%. Eu vejo isso como uma tragédia”, declarou a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS), ao Brasil de Fato.
O México é o país com o melhor índice de representatividade feminina, tendo paridade de 50% de mulheres no parlamento. Nas últimas eleições, o país elegeu Claudia Sheinbaum, a primeira mulher a presidir o país norte-americano.
No Brasil, a lei eleitoral previa uma cota de 50% de candidaturas e investimento do fundo partidário em candidaturas femininas. Mas em julho deste ano, o Congresso Nacional aprovou Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 9, a chamada PEC da Anistia, que além de perdoar as multas de partidos que descumpriram a regra, reduziu para 30% a obrigatoriedade.
Contraditoriamente, Arthur Lira fez um discurso em defesa do aumento da representação feminina no parlamento e destacando supostos avanços do Legislativo brasileiro na garantia de normas que visem esse objetivo.
“Pode ter a certeza de contar também com o meu empenho, senhoras e senhores, para garantir oportunidades equânimes e participação equitativa das mulheres nos espaços de poder, passo civilizatório que precisa ser dado também por este parlamento. É prioridade global, é imperativo para o fortalecimento das democracias no enfrentamento dos complexos desafios do mundo contemporâneo”, disse o presidente da Câmara. “O Observatório Nacional da Mulher na Política, da Câmara dos Deputados, apontou o avanço expressivo no cumprimento das cotas partidárias de candidaturas femininas em comparação com eleições anteriores”, defendeu.
Nas eleições municipais de 2024, já sob efeito da aprovação da PEC da Anistia, as cotas para mulheres foram desrespeitadas em 700 municípios, de acordo com o levantamento do observatório mencionado por Lira. Ainda assim, essa foi a eleição com o maior número de mulheres, pessoas negras e pessoas LGBTQIAPN+ eleitos.
Violência política
A deputada federal Daiana Santos destacou a importância de o evento ser realizado no Brasil, agregando experiências valiosas de outros países ao debate sobre a representatividade das mulheres, sobretudo das mulheres negras, nos parlamentos e outros espaços de decisão política.
“Um debate como esse, que traz experiências do Brasil, mas também experiências no mundo todo, que faz esse intercâmbio de ideias para que a gente possa colocar no centro do debate, pressionando para que as políticas comecem a se movimentar acerca dessas necessidades, é um marco para essa Casa”, avaliou a parlamentar.
Outro foco do debate é a permanência das mulheres em espaços de poder criados pela lógica machista, o que as coloca em permanente enfrentamento de situações de violência política. “Quando a presença das mulheres começa a ficar mais latente, emergindo, trazendo pautas, trazendo debate, é sufocada por conta desses que sempre foram os donos da política”, analisou a deputada. “Infelizmente, ainda não se tem uma organização de protocolos que dê conta disso. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem feito movimentos, pensionando todos os Poderes, inclusive do Judiciário, e aqui mesmo no Legislativo, para garantir a nossa atuação. Eu acho que tudo tem um início, ainda que tardio”, declarou Santos.
Segundo dados da ONU Mulheres, 25 % das mulheres na política já sofreram violência física no espaço parlamentar e 20% foram vítimas de assédio sexual. Em relação à violência psicológica, o número sobe para 82%.
À esquerda, a deputada federal Daiana Santos (PCdoB-RS) durante sessão desta quarta-feira; à direita, delegações estrangeiras no plenário da Câmara dos Deputados / Saulo Cruz/Agência Senado
Mesa diretora
No final do dia, a deputada Benedita da Silva e a senadora Leila Barros ofereceram uma coletiva de imprensa, em que fizeram um balanço positivo dos debates e destacaram a necessidade de permanência do fórum de mulheres no contexto do G20. Em dado momento, Barros criticou a ausência de mulheres na mesa diretora do Senado Federal.
“É vergonhoso, eu não tenho o menor problema de falar isso para vocês, que na mesa do Senado Federal nós não tenhamos uma vice-presidente ou que não tenhamos uma primeira. Então assim, eu fui quarta suplente quando eu cheguei, a quarta. Então a gente vê muitas mulheres figurando em cargos menores, de pouquíssima expressividade”, declarou a senadora.
A 10ª Cúpula de Parlamentos do G20 vai até a sexta-feira (8), quando deverá ser divulgada uma declaração conjunta, que será encaminhada aos Chefes de Estado do bloco que se reúnem em 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro. Além das delegações dos países membros do G20, outros 16 países foram convidados para o P20, além de cinco organizações multilaterais.
Reprodução: Brasil de Fato