Morto de dor no estômago, um paciente me segredou que, às vezes almoça pedalando, em cima da bicicleta, enquanto se desloca de um serviço a outro.
Súbito, me recordei de uma cliente que me disse servir o jantar, com o filho no colo, ao mesmo tempo em que corrige a tarefa do mais velho, serve a mistura para o impaciente marido à mesa, lava um ou outro prato na pia e ainda passa o uniforme do filho para a escola do dia seguinte. De quebra, espia com o rabo de olho as notícias sanguinolentas que jorram do noticiário da TV, ligada no último volume…
Era uma vez uma cidade agitada, onde todos se engalfinhavam em uma espécie de corrida tresloucada. As pessoas caminhavam apressadas, com os olhos fixos nas telas dos celulares e as orelhas sufocadas nos fones de ouvido. O ritmo alucinante fazia coro com os relógios que cravavam inexoravelmente o tempo, cada vez mais rápido, encurtando os dias, as noites, o futuro…
Neste cenário frenético, o antigo e saudável costume de se sentar à mesa, em silêncio, conversar coisas prazerosas e deixar o corpo em paz para a sagrada hora da refeição, foi substituído pela nefasta rapidez. Assim, mastigada com um barulho infernal e engolida a seco, aquela comida fazia o corpo trabalhar em total desarmonia, na usual sofreguidão dos que fazem as coisas sem pensar. Melhor: sem sentir as coisas que estão fazendo… Afinal, pra que serve a comida senão para apenas sustentar o corpo?
Foi difícil convencer meu paciente da bicicleta que sua dor de estômago era um grito de alerta de seu organismo; um lamento profundo de quem está à beira de uma doença mais séria.
Mas, certo ou errado, foi assim que me dirigi a ele:
” Carlos, comer rápido é comer veneno! “ – falei.
Ele parou para ouvir.
“Se for para comer rápido, é preferível não comer”. – sapequei.
Arregalou os olhos.
Continuei: “Comece pequeno. Reserve vinte minutos para as suas refeições. Desligue celular, TV, não converse de problemas sérios, fale em um tom normal e aprecie o cheiro (aroma fica mais bonito) e o sabor dos alimentos. Mastigue várias vezes antes de engolir. Tenha calma. Ensine os outros da família a fazerem o mesmo. Sem pressa.”
Os olhos dele já estavam virados para cima, como se sonhasse…
Pisei mais fundo: “ De vez em quando, vá a uma feira e converse com os produtores locais, aqueles que plantam e colhem seu alimento. Você vai ficar conhecendo mais sobre a comida que come. No serviço, proponha aos colegas de trabalho uma ideia de almoço consciente, onde todos concordem desligar os celulares, desconectarem- se por um momento do mundo digital e se reconectarem com os seus próprios sentidos, enquanto comem.”
Carlos concordou. E, de vagar, iniciou sua mudança.
Dei a ele uma dieta, em que pedia para não comer molhos fortes, embutidos e refrigerantes de cor preta.Consulta seguinte, o estômago já quase não doía mais.
Carlos estava incrédulo. Envolvera a família e, naquele ambiente transmudado para melhor, reencontraram todos o sagrado momento de união e prazer.
Na terceira consulta, estava curado. E, vou confessar a você: sem nenhum remédio.
A bicicleta?
Ah! Esta, agora, é só pra pedalar.
Luiz Eduardo Cheida
Médico Gastroenterologista em Londrina