Agenda de luta inclui reuniões com as comunidades dos quatro colégios escolhidos para integrar o programa “Paraná Parceiro” na cidade
Desde que o governo do Paraná, gerido por Ratinho Júnior (PSD), publicou edital do programa “Paraná Parceiro”, autorizando a concessão da administração de 27 escolas públicas para empresas da área de educação, uma série de mobilizações tem sido chamadas por diversos coletivos a fim de suspender o documento que é considerado mais uma tentativa de privatizar o ensino paranaense.
Na sexta-feira (11), o Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) realizou reunião com a comunidade escolar do Colégio Estadual Professora Olympia Morais de Tormenta, localizado na zona norte de Londrina. A escola é uma das escolhidas para terceirização na cidade juntamente com o Colégio Estadual Professora Lúcia Barros Lisboa, Escola Estadual Rina de Francovig e Escola Estadual Roseli Piotto. Acompanhe mais informações sobre o programa em entrevista concedida por Walkiria Mazeto, presidenta da APP-Sindicato ao Portal Verdade.
João Pedro Ferreira de Castro, estudante do Colégio e presidente do grêmio estudantil, considerou que o encontro foi muito importante para apresentar e discutir com a população os impactos do projeto. Segundo ele, um dos encaminhamentos da reunião foi a criação de um abaixo-assinado contra o modelo. O documento já conta com o apoio de vários pais e outros ainda devem assinar, pontua o aluno.
“Foi muito importante para informar a comunidade, mesmo aquela pequena massa de pessoas que podem passar essas informações adiante e fortalecer mais. O nosso ponto é informar sobre o que é este edital, o que vai acontecer se as empresas comprarem as escolas. A gente dá outros exemplos de privatizações como na Saúde e tenta mostrar para a população que sempre tem algo escondido, um porquê e é muito preocupante”.
Castro destaca também a necessidade de mobilizar mais pessoas para que votem contra a medida. De acordo com o edital, o programa passará por consulta popular. Estudantes a partir de 18 anos poderão votar, já os menores de idade poderão ser representados por seus pais ou demais responsáveis. Ele conta que os alunos das escolas indicadas no município estão dialogando para juntos organizarem manifestações que expressem o rechaço ao projeto. “Se os alunos estão contra a terceirização é porque tem algum problema. Nós não sabemos exatamente o que está sendo passado para gente”, afirma.
Igor Guedes Ramos, professor de História e membro do conselho escolar do Colégio Olympia Tormenta, considera a iniciativa “bastante problemática”. Ele lembra que, a despeito do argumento de que a qualidade do ensino ofertado será ampliada, pesquisas indicam que a terceirização da educação não provoca mudanças significativas na aprendizagem e em muitos casos ocorre a piora do rendimento.
“A reunião realizada no dia 11 de novembro de 2022 teve como objetivo divulgar a existência do edital de credenciamento, esclarecer dúvidas da comunidade e apontar as preocupações levantadas pelo conselho escolar, APP Sindicato, pesquisadores da área e membros do poder Legislativo. Isto foi necessário, pois, o governo não reuniu a comunidade para apresentar o projeto e colher opiniões. Além das propagandas em mídias diversas, aparentemente está prevista apenas uma apresentação genérica ministrada pela empresa privada escolhida para gerir a escola, simultaneamente ao momento previsto para consulta da comunidade. No ditado popular, a consulta será “a toque de caixa” depois da decisão tomada, “só pra inglês ver”, indica.
Para o docente, é preciso que haja uma discussão ampla do programa, o que contempla, inclusive, o detalhamento de como se dará a consulta pública. “Agora, por um lado, é preciso mobilizar a comunidade para se inteirar do tema e participar da decisão; e, por outro lado, é fundamental pressionar o governo para que faça a consulta à comunidade conforme previsto para eleição da direção: com ampla divulgação, sistema universal e secreto de voto, enfim, nos moldes formais de uma consulta democrática; pois, o edital – mais uma falha – não especifica os moldes da consulta”, avalia.
Lenir de Assis, vereadora, representante do Partido dos Trabalhadores (PT) também participou da reunião. Ela ressalta a importância da mobilização para barrar mais esta incursão que caminha para o fim da educação pública no estado, uma vez que recursos que deveriam ser destinados para as escolas estaduais serão repassados para o empresariado. O estado oferecerá R$ 800,00 por aluno matriculado para suprir gastos com infraestrutura e pagamento de trabalhadores. Estimativa publicizada pela APP-Sindicato, indica que o projeto custará, em um ano, mais de R$ 2 milhões aos cofres públicos.
“Se a escola é pública, a administração desta escola também tem que ser pública. Os professores têm um currículo, uma questão pedagógica a cumprir. Mas isto é algo que tem que vir estabelecido na política de Educação não por regras do setor privado. As empresas existem para dar lucro e não para garantir a educação de qualidade. Este é papel do Estado”, sinaliza a liderança.
Márcio André Ribeiro, presidente da APP-Sindicato Núcleo de Londrina, chama atenção para algumas incompreensões que têm sido compartilhadas acerca do investimento. “Tem muita gente fazendo confusão, se equivocando, achando que o governo vai dar R$ 800,00 para cada criança, ou seja, tem família achando que vai receber este valor para que seu filho estude naquela escola. Mas os R$ 800,00 por matrícula será pago para a empresa”, analisa.
Ribeiro também ressalta a necessidade do debate com a população e indica que novas reuniões serão realizadas. Ele explica, ainda, que a média do valor investido pelo governo atualmente, por aluno, é de R$ 600,00, ou seja, montante inferior ao que está sendo destinado ao programa. Para o dirigente, o recurso, se voltado para as escolas públicas, contribuiria muito mais para melhorar os índices educacionais no estado. Ouça:
Precarização do trabalho e aprofundamento das desigualdades socioeducacionais
Ramos também aponta as consequências do programa para os profissionais da educação cujas condições de trabalho serão ainda mais precarizadas. “A tendência desse modelo é o achatamento dos salários em médio e longo prazo, como acontece com as terceirizações em geral e especificamente com os modelos de “charter school” [escola que recebe financiamento do governo, mas opera independentemente da rede estatal de ensino] pelo mundo. Pois, é da redução dos salários que a empresa terceirizada adquire seu lucro, já que os repasses são os mesmos”, observa.
A preocupação é compartilhada por Lenir de Assis. “Certamente para que estas empresas tenham maior lucratividade, o salário como temos visto em muitas empresas terceirizadas será sucateado. Um professor que tenha pós-graduação, mestrado, doutorado e que pelo Estado recebe, hoje, um salário compatível com estes estudos, dificilmente teremos este professor habilitado nas nossas escolas. Isso é muito grave. Professores passam anos e anos estudando para dar uma educação de melhor qualidade para os alunos”.
Outro reflexo indicado pelo docente e vereadora refere-se à ampliação das desigualdades socioeducacionais, considerando que a principal finalidade da iniciativa privada é obter lucro, a universalidade de acesso à educação – direito e dever constitucional – não torna-se uma prioridade. “O edital não impede – na verdade incentiva – em médio e longo prazo a seleção de alunos. Isto é, a exclusão de alunos com dificuldades de aprendizagem e problemas disciplinares para que a empresa atinja os índices e, portanto, aumente o repasse de dinheiro público. Também não impede o sucateamento da escola para manutenção do lucro, como o caso da terceirização do ensino profissionalizante já ocorrida nesta gestão, amplamente divulgado pelos jornais, em que os professores foram substituídos por televisões com aulas remotas sem inteiração”, avalia Ramos.
Ainda de acordo com a vereadora, outra questão muito preocupante é a garantia dos estudantes de continuarem estudando perto de suas casas, a oferta do ensino noturno e da educação de jovens e adultos. “Sabemos que, no ponto de vista da empresa, esta oferta universal acaba gerando muito custo e isto certamente não estará mais disponível para os alunos, ou seja, aquela possibilidade hoje do aluno estudar perto da sua casa só existe porque tem a oferta da vaga e isto já não passa a ser garantido nessa nova modalidade. Se não houver lucro, certamente a empresa não abrirá turma para jovens e adultos”, alerta Assis.
A parlamentar sinaliza que o projeto também já foi denunciado na Câmara Municipal de Londrina. “Também é necessário que seja judicializado, acionado o Ministério Público para que situações como esta que fere a educação pública no Paraná, que promove o fim do ensino noturno, certamente trazendo prejuízos também para crianças que possuem alguma deficiência, visto que demanda maior investimento. Estamos na vigilância destes projetos que não vem ao encontro das necessidades da população, mas pelo contrário, precariza a educação cada vez mais. Porque o futuro da educação depende de um financiamento adequado para infraestrutura, pagamento dos professores, para que seja uma escola inclusiva. O oposto disto é a privatização, a venda do nosso ensino e o fim da escola pública e a saída de muitos jovens, o que muito nos preocupa”, adverte.
Na próxima quinta-feira (17), às 19h, ocorre nova reunião com a comunidade escolar do Colégio Roseli Piotto. O encontro acontece no Conselho Central dos Vicentinos da Zona Norte, localizado na Rua Thomaz Pereira Machado, número 356, Jardim Parigot 2.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.