Em sessão que derrubou vários vetos, a maior parte está relacionada ao marco temporal das terras indígenas e sobre desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia
O Congresso Nacional derrubou, nesta quinta (14), os vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao projeto de lei que estabelece a tese do marco temporal das terras indígenas. Os parlamentares mantiveram a maioria dos vetos presidenciais a projetos de lei que constavam na pauta do legislativo.
A sessão conjunta de Senado e Câmara derrubou os vetos relacionados a seguintes matérias:
• marco temporal das terras indígenas,
• desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia,
• arcabouço fiscal,
• marco das garantias e
• Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).
Após intensa negociação, o Palácio do Planalto precisou abrir mão de alguns vetos em troca de apoio à reforma tributária e à medida provisória da subvenção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os dois textos devem ser analisados pelos parlamentares até semana que vem.
No equilíbrio de forças entre os Poderes da República previsto na Constituição de 1988, o chefe do Poder Executivo pode vetar dispositivos de um projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional. Mas deputados e senadores detêm a palavra final para derrotar o veto presidencial e restituir o texto original por eles redigido.
Marco temporal
Em vitória do agronegócio, o Congresso derrubou o veto do presidente Lula ao projeto que institui a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas. A tese diz que os indígenas só terão direito ao território em que estavam na promulgação da Constituição, em outubro de 1988.
Em sessão conjunta, 53 senadores e 321 deputados apoiaram a derrubada dos vetos, enquanto 19 senadores e 137 deputados votaram para manter a decisão presidencial. Houve ainda uma abstenção entre os deputados, nenhuma entre senadores.
O projeto foi vetado pelo presidente Lula, sob o argumento de que os vetos eram necessários em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Entre as justificativas do veto ao marco temporal, o presidente argumentou que a iniciativa do Legislativo contrariava o interesse público e incorria em vício de inconstitucionalidade “por usurpar direitos originários” já previstos na Constituição.
Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a tese era inconstitucional. Oito dias depois, a Câmara e o Senado aprovaram um projeto de lei para incluir a tese do marco temporal em lei federal. Em outubro, o presidente Lula vetou parcialmente o projeto aprovado no Poder Legislativo, argumentando que a tese já havia sido considerada inconstitucional.
Agora, o texto segue para promulgação de Lula. Caso o mandatário não o faça em até 48 horas, a tarefa fica para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e vira lei. O caminho mais provável, no entanto, é a judicialização.
Com a rejeição do veto, os indígenas terão direito à demarcação apenas das áreas que ocupavam até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição foi promulgada.
O Congresso também derrubou o veto ao dispositivo que abre brecha para o garimpo, instalação de equipamentos militares e expansão de malha viária sem consulta aos povos indígenas ou ao órgão indigenista federal competente.
Também foi resgatado, com derrubada de veto, um trecho que permite aos povos indígenas firmar contrato para turismo nas áreas demarcadas.
O líder do Governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), reforçou que a demarcação foi pacificada pela Constituição de 1988 e que o direito à posse da terra pelos povos originários foi também afirmado recentemente pela ampla maioria dos ministros da Suprema Corte.
O presidente Lula aportou veto a esse tema com muita consciência de que esses povos vinham sendo desrespeitados em todos os seus direitos. Compreendemos que não há dúvida sobre o que está escrito no texto da Constituição. Por isso, nosso voto é ‘sim’”, declarou o líder do governo no Congresso.
Marco Fiscal e Carf
Os parlamentares derrubaram os vetos do presidente ao Marco Fiscal e à lei sobre o voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Federais (Carf).
No caso do Marco Fiscal, Lula havia vetado trecho que impedia a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de tratar sobre a exclusão de despesas primárias da meta de resultado dos orçamentos fiscal e da seguridade social. Os parlamentares não seguiram o entendimento do governo e derrubaram o veto.
A meta do Executivo para 2024 é de déficit zero, ou seja, com despesas e receitas igualadas. Com a derrubada do veto, o governo fica impedido de desconsiderar despesas da meta de resultado para tentar zerar o déficit fiscal.
No caso da lei do Carf, o Congresso retomou um dispositivo que vedava a cobrança de multas superiores a 100% do débito para casos de sonegação, fraude ou conluio.
Desoneração da folha de pagamento
Um dos vetos derrubados diz respeito à desoneração da folha de pagamento de 17 setores da economia, que empregam quase 9 milhões de pessoas. No Senado, a derrubada recebeu 60 votos favoráveis e 13 contrários. Na Câmara, o placar foi de 378 a 78 pela rejeição do veto.
A medida do presidente colocaria fim ao benefício em 31 de dezembro deste ano. A desoneração da folha de pagamento vale para 17 setores da economia, foi criada em 2011 e teve sucessivas prorrogações. A medida permite que o pagamento de alíquotas de 1% a 4,5% sobre a receita bruta, em vez de 20% sobre a folha de salários para a Previdência.
Entre os setores beneficiados está o de comunicação, no qual se insere todos os grandes veículos de imprensa. Também são contemplados os segmentos de calçados, call center, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, entre outros.
Com a desoneração da folha, as empresas desses ramos podem trocar a taxação de 20% sobre a folha de pagamento pela tributação de 1% a 4,5% sobre a receita bruta da contribuição patronal. Nas contas do Ministério da Fazenda, o programa custaria R$ 9,4 bilhões anuais aos cofres públicos. Além disso, o benefício para os municípios custaria mais R$ 9 bilhões.
es sindicais, como a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), chegaram a emitir uma nota, em novembro, contra o veto de Lula. Segundo o texto, “a equipe econômica comete um equívoco ao jogar o ajuste fiscal no setor produtivo e no emprego formal, pois a conta será paga pelos trabalhadores, seja com o desemprego ou com a informalidade.”
Após a derrubada do veto, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) afirmou que o governo vai ao STF (Supremo Tribunal Federal). A ideia é argumentar que a prorrogação do benefício é inconstitucional. “Não existe da nossa parte nenhum ânimo de antagonizar. Nós queremos uma solução”, disse o ministro.
Representantes governistas avaliaram que a rejeição do veto representa uma irresponsabilidade fiscal por parte do Congresso Nacional. Na visão do senador Renan Filho (MDB-AL), que deixou o cargo de ministro dos Transportes para reassumir o mandato no Senado esta semana para reforçar a bancada em algumas votações, a postura da maioria dos congressistas vai de encontro ao compromisso que o governo tem demonstrado de equilibrar os gastos públicos e manter sinalizações importantes para a melhora do cenário econômico. Ele ainda disse que a desoneração da folha tem se mostrado ineficaz.
“O IPEA [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada] apresentou um estudo indicando que essa medida é inócua para a geração de emprego. E ela custa entre R$ 8 bilhões e R$ 9 bilhões ao país. Por isso é hora de garantir sustentabilidade, para o Brasil voltar a crescer com segurança”, disse Renan Filho
Fonte: Portal Vermelho