Em audiência convocada por Gilmar Mendes no âmbito de duas ações de inconstitucionalidade, representantes do poder público e da sociedade apontam retrocessos desse tipo de ensino
Durante audiência pública nesta terça-feira (22), convocada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para debater o programa de escolas cívico-militares do estado de São Paulo, representantes do Ministério da Educação, da sociedade civil, órgãos de controle e parlamentares apontaram as limitações e retrocessos do modelo, criado por Jair Bolsonaro (PL) e extinto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“A educação que o Ministério da Educação defende é aquela que, conforme preceitua a Lei de Diretrizes e Bases da Educação [LDB], é baseada no pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, respeito à liberdade e apreço à tolerância”, explicou Rodolfo Cabral, consultor jurídico do MEC, representando o ministro Camilo Santana.
Por isso, é necessário “garantir que a educação básica continue a ser um espaço de formação democrática e cidadã, livre de intervenções que não estejam alinhadas com os valores republicanos e educacionais consagrados pela nossa Constituição Federal”, completou.
Outro ponto ressaltado por Cabral é que a LDB e o Plano Nacional de Educação (PNE) “não preveem a inclusão dos militares na gestão e no suporte direto às atividades de educação básica”.
Segundo o consultor jurídico, a Constituição Federal “não atribuiu aos militares a responsabilidade para produzir, implementar e executar políticas públicas de educação básica”.
Inconstitucionalidade
A audiência foi chamada por Gilmar Mendes como parte do processo de julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs), apresentadas pelo PT e pelo PSol, contra a lei paulista que institui o programa nas escolas públicas estaduais e municipais de educação básica.
Em julho de 2023, o governo federal publicou decreto anunciando a revogação do programa de escolas cívico-militares, criado durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), de maneira que elas fossem extintas até o final do ano passado.
No entanto, alguns governos estaduais e municipais optaram por manter esse tipo de instituição. Estados como São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, por exemplo, resolveram continuar ofertando esse tipo de ensino, apesar dos questionamentos e manifestações contra seu caráter autoritário e avesso à pluralidade.
No dia 21 de maio deste ano, a Assembleia Legislativa do estado aprovou a proposta encaminhada pelo governo de Tarcísio de Freitas, mesmo sob fortes protestos de estudantes, professores e movimentos sociais, repelidos com truculência pela Polícia Militar. No dia 27, o projeto foi sancionado.
As ADIs em pauta no Supremo questionam essa lei. Entre outros argumentos, as legendas alegam que o programa cria um modelo de ensino sem respaldo na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei federal 9.394/1996), ao prever a presença de policiais militares em atividades escolares.
Os partidos também sustentam que o programa estabelece “verdadeiro projeto de militarização da escola civil”, desvirtua as atribuições previstas constitucionalmente para a Polícia Militar e afronta a gestão democrática do ensino público.
Rechaço
Durante a audiência, muitas foram as manifestações contrárias a esse modelo de ensino. Gabriele Bezerra, do Núcleo Especializado da Infância e Juventude da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, ressaltou que a conversão de escolas para o modelo cívico-militar não consta dos planos nacionais ou estaduais de educação como meta ou estratégia de melhoria da qualidade de ensino. Segundo ela, a indisciplina no ambiente escolar é multifatorial e precisa ser enfrentada com intervenções pedagógicas articuladas.
Por sua vez, Élida Graziane Pinto, procuradora do Ministério Público de Contas de SP, destacou que a lei invade a competência privativa da União para definir o que é ou não despesa para a manutenção e o desenvolvimento do ensino.
Simão Pedro, deputado estadual (PT-SP), argumentou que a educação é a formação para a autonomia, a autorresponsabilidade e para a vida, enquanto o ensino militar se orienta para a simples obediência e para a supressão da vontade individual.
Representante da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), Salomão Barros pontuou que nenhuma instituição de pesquisa em educação de referência no Brasil e no mundo defende a militarização das escolas como solução para a área.
Para ele, o modelo não é uma saída aceitável do ponto de vista científico, pedagógico e da Constituição Federal, além de colocar o país na contramão mundial do que é o direito à educação.
De acordo com Fábio Santos de Moraes, do Sindicato dos Professores do Estado de São Paulo (Apeoesp), o modelo não vai contribuir com a qualidade da educação, que necessita de professores com melhores condições de trabalho.
Moraes também pontuou que o programa agride o ambiente educativo, que deve ser plural e democrático, além de ser uma clara tentativa de imposição de pensamento único para criminalizar juventude da periferia.
Fonte: Vermelho