Hoje, coleta seletiva é realizada por sete cooperativas na cidade. Com terceirização, elas ficarão responsáveis apenas pela separação e venda de materiais
A informação de que a Companhia Municipal de Trânsito e Urbanização (CMTU) irá contratar uma empresa terceirizada para realizar a coleta seletiva em Londrina tem causado preocupação entre os trabalhadores da área, a exemplo de Francisco Bitencourt, presidente da Cooperativa de Coleta de Materiais Recicláveis e Reutilizáveis (ECORECIN).
Ele conta que, atualmente, o grupo é formado por 18 trabalhadores. Antes da crise sanitária mundial provocada pelo novo coronavírus, eram 37 cooperados no espaço. De acordo com ele, o número está voltando a crescer e a expectativa é alocar 30 alocar trabalhadores. “Estamos começando a aumentar a quantidade de cooperados novamente, porque estão chegando mais materiais dentro do barracão”, afirma.
Hoje, o serviço de coleta seletiva na cidade é desenvolvido por sete cooperativas, responsáveis por recolher os materiais em mais de 230 mil domicílios. A coleta seletiva em Londrina existe desde 1996, porém a inclusão social dos catadores teve início apenas em 2001. Além da retirada nos bairros, Bitencourt explica que as cooperativas realizam a triagem dos materiais, prensa e posterior venda para as indústrias.
Segundo a liderança, hoje cada cooperado recebe um salário-mínimo, vale-transporte, equipamentos de proteção individual (EPIs) e não é realizado desconto de 20% sob o salário referente à contribuição mensal para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Este pagamento do valor é dividido, sendo 11% subsidiado pela CMTU e 9% pela cooperativa.
O trabalhador lembra que, atualmente, não é possível mais garantir cesta básica aos cooperados, também evidencia que uma das principais dificuldades enfrentadas pela categoria é a insegurança em lidar com o poder público local, pois “cada vez que a gente senta para realizar um contrato, a gente leva uma surpresa ou querem diminuir o valor do repasse ou eles inventam de terceirizar, a gente nunca sabe se vai conseguir manter os colaboradores dentro da cooperativa”, ele observa.
“Estamos muito tristes e decepcionados com a terceirização. Mediante o nosso trabalho que a gente faz há sete anos contratados, nosso setor de 24.459 residências, a maior parte na área central, não temos reclamação do serviço prestado e quando tem a gente busca solucionar. Infelizmente, a CMTU lançou esta licitação sem comunicar as cooperativas e sem chamar elas para conversar. Eles fizeram um corte sem explicação nenhuma da coleta seletiva. Para eles, será um bom negócio, vão fortalecer uma empresa privada, desvalorizando os catadores dentro do barracão”, avalia Bitencourt.
Preocupações vão desde desemprego à saúde dos trabalhadores
Com a terceirização, as cooperativas não farão mais a coleta, apenas irão separar e vender os materiais. Bitencourt ressalta a preocupação com o aumento do desemprego que os trabalhadores poderão enfrentar. “A terceirização já vai causar um grande desemprego na coleta, nossos três motoristas e os oito coletores. Na cooperativa cada um tem a sua função. Hoje, as funções dentro do barracão já estão ocupadas. Trazer os coletores e motoristas para dentro do barracão será uma dificuldade muito grande porque vamos ter que colocá-los na produção, sendo que não tem espaço”.
Como responsável por uma das sete cooperativas que atendem o município, ele ressalta que outros reflexos da terceirização é o endividamento e a possibilidade de terem que arcar com processos trabalhistas, visto a eminência de demissões. “Se a cooperativa sofre um processo trabalhista, a CMTU não arca com nada. Eles estão zerando a única renda que fortalece a cooperativa, porque o material a gente já tenta trabalhar em cima dele para garantir os salários e mesmo trabalhando muito, às vezes a gente não consegue garantir o salário-mínimo e temos de complementar com o recurso repassado pela CMTU”.
Ele cita também a preocupação com a saúde dos trabalhadores. De acordo com o Bitencourt, os materiais que são coletados já são trazidos limpos para dentro do barracão e com a terceirização ele teme que os mesmos cuidados não sejam tomados. “Não é trazer lixo e nem materiais que não são recicláveis para dentro do barracão. A empresa terceirizada não terá essa preocupação, ela vai pegar o que estiver na rua e descarregar. Isso vai trazer um transtorno muito grande para a cooperativa. Hoje, o nosso pessoal é capacitado para pegar apenas materiais que são recicláveis e não colocar lixo”.
Bitencourt diz que “não entende” a opção pela terceirização. “A terceirização vai enriquecer uma empresa que vai receber muito dinheiro, sendo que sete cooperativas faziam este mesmo trabalho recebendo menos. Então, não entendo, o município que trabalhou que a vida toda sugando as cooperativas, fazendo a gente trabalhar pelo menor valor. Agora, resolveram pagar bem para uma empresa terceirizada. Não entendo onde eles estão vendo vantagem, deixando a cooperativa descalça, zerada. Infelizmente, as cooperativas vão ter que fechar as portas”, adverte.
A empresa vencedora do certame terá R$ 6,5 milhões por ano para realizar todo o trabalho, precisará ter sete caminhões de coleta, 42 coletores e 14 motoristas. A CMTU declarou que irá repassar 20% de INSS e 40% de insalubridade sobre os salários dos cooperados. Para Bitencourt a medida não é suficiente, sobretudo, porque é calculado em cima do valor do salário-mínimo e calculando os demais benefícios assegurados aos trabalhadores, este montante é maior.
“A renda maior que a gente tem é o contrato e os aumentos que tiveram de aluguel, combustível, nós pedimos reajustes e não foram atendidos, nós encaramos tudo sozinhos. Nós não queremos nada além do nosso direito. Eles estão chutando a gente da coleta, não servimos de nada. O que eles nos oferecem para ficar dentro do barracão, é inviável”.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.