Candidatos fizeram mais de 60 denúncias ao MPF nas últimas semanas; grupo se reúne com PFDC na tarde de terça (28)
Em um novo capítulo da polêmica que envolve os cotistas negros rejeitados pela banca de heteroidentificação do chamado “Enem dos concursos”, lideranças dos candidatos se reuniram nesta segunda-feira (27) com gestores do Ministério da Igualdade Racial (MIR), em uma tentativa de dar maior amplitude às mobilizações junto ao governo. O grupo pressiona para que a pasta articule uma solução para o caso com o Ministério da Gestão e Inovação (MGI), coordenador do Concurso Nacional Unificado (CNU). Os candidatos foram recebidos por representantes da secretaria-executiva, da Secretaria de Ações Afirmativas e da ouvidoria do MIR.
“A conversa foi positiva. Eles demonstraram um apoio à nossa causa e comentaram que estão tentando resolver para o futuro [no sentido] de mudar esse processo [de heteroidentificação], que eles reconhecem que vem sendo feito de forma errada. Eles disseram que já foram procurados em outras situações, mas que essa é uma coisa que ainda não conseguiram resolver. Também disseram que estão limitados por serem de um ministério que tem menos poder no jogo”, disse ao Brasil de Fato o administrador Hauam Martins, que acompanhou a reunião.
“Eles falaram que não poderiam fazer nada de concreto com relação ao MGI ou com alguma ação mais contundente. A gente insistiu, e eles encerraram a reunião falando que conversariam com a ministra Anielle Franco e tentariam alguma coisa de concreto, apesar do tempo, que eles reconhecem que ficou curto pelo fato de a reunião ter sido marcada mais pro final do mês, por isso disseram que, para este concurso, talvez eles não pudessem ajudar.”
A sinalização da equipe do ministério deixou alguns candidatos preocupados com o tempo-resposta das tratativas. As negociações com o MIR ocorrem na reta final do concurso, que deve divulgar as notas dos candidatos e a primeira lista de classificação no próximo dia 4. O resultado será antecipado em uma semana, segundo divulgado no último dia 14 pelo MGI.
“A primeira coisa que a gente fez no início de janeiro foi pedir uma agenda com o ministério. A gente entende que em início de ano muita gente está de férias, mas esse assunto não pode ficar em meio a um clima de férias do governo”, afirma Gustavo Amora, um dos candidatos envolvidos nas articulações.
“A gente cobrou desde muito cedo e lá atrás nós fomos informados sobre essa agenda de reunião no final do mês. Nós avisamos que esta data seria muito tarde e que precisaríamos mobilizar o governo antes disso. ‘Ah, mas a gente não tem data’, disseram eles. Aí hoje, na reunião, eles disseram que a gente chegou muito tarde, mas eles é que marcaram a reunião para muito tarde, faltando menos de dez dias para o resultado. Acho que essa história toda é um problema de governo”, atribui Gustavo Amora, um dos candidatos envolvidos nas articulações junto ao MRI.
O prognóstico dado pela equipe do ministério frustrou Hauam Martins. “Achei ruim porque eles são justamente uma pasta que deveria estar em cima disso. Não deveria precisar nem que a gente procurasse o MIR. Eles poderiam fazer uma auditoria disso. Se é o concurso mais importante do Brasil, era de se esperar que houvesse uma prevenção quanto a isso. Não deveriam deixar apenas na mão de uma empresa contratada, a Cesgranrio, sem garantir que o processo estivesse sendo feito da maneira correta. Se eles não tiveram esse cuidado de prevenir, que tivessem pelo menos uma postura mais ativa em tentar resolver [o imbróglio]”, manifesta.
Durante a reunião no MIR, os candidatos destacaram que as críticas do grupo recaem sobre o método adotado pela comissão de heteroidentificação do concurso, e não exatamente sobre a existência de uma banca com esse objetivo. Isso porque a criação de bancas de heteroidentificação surgiu a partir de demandas do próprio movimento negro, interessado na coibição de eventuais fraudes à política de cotas.
Judicialização
O Brasil de Fato tem mostrado, ao longo das últimas semanas, a saga de um conjunto de candidatos autodeclarados negros que foram rejeitados pela banca do CNU para concorrerem como cotistas.
O imbróglio resultou em uma onda de judicialização do concurso, hoje alvo de ações em diferentes estados do país. Outras frentes também foram procuradas. A Advocacia-Geral da União (AGU), o MGI e o Ministério Público Federal (MPF) estão acompanhando o caso. Segundo lideranças de um grupo de Brasília (DF) que reúne uma média de 120 candidatos nesse tipo de situação, mais de 60 denúncias foram feitas ao MPF. “Resolvemos buscar um ente de fora do governo porque, entre outras coisas, o MGI até agora não nos atendeu. Estamos aguardando o diálogo com a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC)”, afirma Amora. O órgão deve receber representantes do grupo em uma reunião na tarde desta terça-feira (28).
O estudante Danilo Rabelo está entre os candidatos que judicializaram o caso para questionar a atitude do CNU e pedir inclusão entre os cotistas. Após ter o pedido rejeitado pela Justiça em primeira instância, decidiu recorrer e aguarda agora decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), sediado na capital federal. Ele conta que ingressou na graduação, no mestrado e no doutorado da Universidade de Brasília (UnB) dentro das cotas raciais, mas foi rejeitado como cotista pelo CNU, cujas provas foram aplicadas pela Cesgranrio.
Rabelo vê na reunião desta segunda-feira com o MIR um avanço nas tratativas com o governo, mas conta que esperava mais ação por parte da pasta. “Acho que ficou até feio as pessoas do ministério afirmarem que talvez não dê mais tempo elas ajudarem a resolver isso. Se o atual governo quer realmente dizer que é o governo da inclusão de pessoas negras na administração pública, a resposta não poderia ser essa, até porque não somos pessoas tentando fraudar o concurso. A gente queria que cumprissem as regras e queria uma mudança até o resultado. Tomara que até o dia 4 tenhamos alguma novidade.”
Outro lado
O Brasil de Fato tentou ouvir Ministério da Igualdade Racial (MIR) por meio de sua assessoria de imprensa a respeito dos pontos abordados nesta matéria, bem como solicitou uma entrevista com a secretária de Ações Afirmativas do ministério, Márcia Lima. Houve tentativas de contato via e-mail e por telefone, mas a reportagem não obteve retorno. O espaço continua aberto, caso a gestão resolva se manifestar.
Fonte: Brasil de Fato