São Paulo, Ceará e Rio de Janeiro são os estados mais letais
Em todo o mundo, junho é considerado o Mês do Orgulho LGBTQIA+. A data rememora lutas como a conhecida “revolta de Stonewall”. Isso porque, na noite de 28 de junho de 1969, policiais protagonizaram uma abordagem violenta no bar Stonewall, espaço historicamente frequentado pela comunidade LGBTQIA+, mulheres, negros, entre outros grupos subalternizados nos Estados Unidos. Em resposta à repressão, as ruas de Nova York foram tomadas denunciando abusos de autoridade e demais preconceitos sofridos pelo coletivo.
O levante também deu origem a primeira marcha do Orgulho Gay, realizada em 1970. Porém, é importante lembrar que no mesmo período, em outros países, a exemplo do México, Argentina e Brasil, também foram organizadas manifestações em prol dos direitos da população LGBTQIA+.
Dossiê intitulado “Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil” – Edição 2023 (disponível aqui) denunciou que, em 2023, ocorreram 230 mortes violentas de LGBTI+ no país, sendo 184 assassinatos (80%), 18 suicídios (7,8%) e 28 em virtude de outras causas não identificadas (12,1%).
A sigla compreende lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas, não binárias e demais dissidências sexuais e de gênero.
O índice representa um pequeno recuo frente a 2022, quando foram registradas 273 mortes, porém, os pesquisadores alertam para subnotificação e omissão dos dados, já que a fonte majoritária são registros de casos encontrados em notícias de jornais, portais eletrônicos e redes sociais, dada a ausência de informações governamentais.
A maioria das violências fatais acometeu travestis e mulheres transexuais (61,7%), seguido de homens gays (25,6%), homens trans e pessoas transmasculinas (5,6%).
A violência letal de pessoas LGBTI+ ocorreu por todo o território brasileiro em 2023. Foram registrados óbitos nas cinco macrorregiões do país, nas 27 unidades da federação, em 149 dos 5.568 municípios existentes no Brasil.
Partindo-se para uma análise na escala macrorregional, são observadas variações entre as cinco regiões brasileiras. As regiões Nordeste e Sudeste apresentaram 79 mortes violentas cada; a região Centro-Oeste 26; a Sul 25 e a Norte 21.
Violências cresceram no Paraná
No Paraná, em 2023, foram contabilizadas 18 mortes violentas contra LGBTI+. O índice representa um aumento em comparação a 2022, quando foram identificados 10 assassinatos.
Causas das mortes
O mapeamento identificou pelo menos 34 tipos de violência como esfaqueamento, apedrejamento, asfixia, esquartejamento e negativas de fornecimento de serviços que foram perpetrados em diferentes ambientes – doméstico, via pública, cárcere, local de trabalho, entre outros.
Em termos quantitativos, as duas causas mais frequentes foram: armas de fogo, com o assassinato de 70 pessoas (30,43%) e esfaqueamento, com 34 mortes (14,78%).
Analisando o local das mortes da população LGBTI+: 115 casos ocorreram em espaços públicos, o que corresponde a 50% do total. Apesar da predominância de violências em espaços públicos, os espaços privados tampouco podem ser considerados seguros para essa população, haja vista que 83 mortes (36%) ocorreram em espaços privados.
O levantamento é produzido pelo Observatório de Mortes e Violências contra LGBTI+, que desde 2021, é constituído pela cooperação entre três organizações da sociedade civil: a Acontece Arte e Política LGBTI+, ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) e a ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos).
Faixa etária e pertencimento étnico-racial
A idade das vítimas variou de 10 a 69 anos em 2023. Observa-se que a maioria das mortes ocorreu com pessoas adultas jovens, que possuíam entre 20 e 29 anos (30,4%).
Dos 230 casos registrados, identificou-se o pertencimento étnico-racial de 151 vítimas, que correspondem a 65,6% do total. Há uma distribuição aproximada das mortes entre pessoas negras, com 80 casos (34,7%), e brancas com 70 casos (30,4%).
No caso de pessoas indígenas, houve apenas um caso, que representa 0,43% do total.
Defensores de direitos humanos
Ainda, de acordo com o mapeamento, foram identificadas 10 mortes de defensores de Direitos Humanos de LGBTI+ no Brasil, sendo 6 casos de assassinatos, 2 suicídios e 2 não informados.
Do total de 10 mortes, seis vítimas eram brancas, três negras e uma não foi informado. Referente à orientação sexual e identidade de gênero, seis eram travestis e mulheres transsexuais, três homem cis gays e um homem trans ou pessoa transmasculina.
A advogada Isabella Motta avalia que o aumento da violência está relacionado a disseminação de uma agenda antigênero, encampada por governos de extrema-direita.
“Desde 2018, com a eleição de Jair Bolsonaro, percebemos que as pautas dos movimentos feministas, LGBT foram amplamente rejeitadas e deturpadas. A criminalização da educação sexual nas escolas, por exemplo, denominada de ‘ideologia de gênero’ por setores conservadores dificulta muito a desconstrução de preconceitos e intolerâncias. Os pânicos morais motivados pelo discurso de que estas pessoas colocariam ‘a família tradicional’ em perigo tornam-se instrumentos para arrecadar votos, enquanto LGBTQIA+ continuam sendo violentados e morrendo todos os dias”, adverte.
Ela destaca a importância de programas de combatam a discriminação. “Precisamos urgentemente fortalecer ações que promovam um letramento de gênero, cooperando para maior conscientização de toda população sobre as reais necessidades da comunidade LGBTQIA+, o que perpassa, o direito de existir antes de qualquer outra pauta. Expressar afeto em público, pode ir e vir sob a luz do dia, ser reconhecido pelo próprio nome ainda são desafios com os quais pessoas heterossexuais não possuem a mesma preocupação”, alerta.
Homofobia configura crime no Brasil. A pena pode variar entre um a cinco anos além da aplicação de multa.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.