No estado, denúncias ficaram abaixo da variação nacional, ainda assim, queixas aumentaram entre 2021 e 2022
Levantamento divulgado pelo 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública indica que em 2022, crimes de assédio sexual cresceram 49,7% no país e totalizaram 6.114 casos no último ano. Já as queixas de importunação sexual aumentaram de 37%, chegando ao patamar de 27.530 casos no mesmo período.
No Paraná, os casos de assédio sexual passaram de 869 ocorrências em 2021 para 1.013 em 2022, acréscimo de 15,7%. Já as denúncias de importunação sexual saltaram de 1.828 em 2021 para 2.295 em 2022, alta de 24,6%.
Desde 2001, assédio sexual é considerado crime no país. Conforme estabelecido no Código Penal corresponde a: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.
Em 2018, foi sancionada a Lei 13.718, transformando em crime casos de importunação sexual, antes considerados como infrações de menor potencial ofensivo. De acordo com o Código Penal, a violência é tipificada como: “Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.”
São considerados crimes de importunação sexual, por exemplo, cantadas indesejadas, toques não consentidos ou tentar forçar um beijo. A reclusão pode variar de um a cinco anos, se a prática sexual não constituir crime mais grave.
Martha Ramírez-Gálvez, professora do Departamento de Ciências Sociais da UEL (Universidade Estadual de Londrina) e membra do Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, destaca que a tipificação do crime de importunação sexual é relativamente recente e extremamente relevante para desnaturalizar comportamentos que antes eram mais tolerados e não percebidos como violências.
A docente reforça a urgência de divulgar tais legislações a fim de cheguem ao conhecimento de toda população. “Precisamos também divulgar mais estas leis, estabelecer as diferenças entre assédio, importunação sexual e estupro de maneira que a gente possa educar a sociedade para respeitar o corpo das mulheres”, observa.
Rememorando o caso da jovem de 22 anos abandonada inconsciente na porta de casa e estuprada no último dia 30 de julho, em Belo Horizonte, a pesquisadora chama atenção para a objetificação do corpo da mulher. Ao ser compreendido como uma mercadoria em oferta, pode ser tomado a qualquer lugar e tempo.
“O corpo das mulheres se tornou um objeto, como vimos recentemente o estupro de uma mulher desacordada na rua e um homem carrega como se fosse um saco de batatas e fica com ele estuprando durante várias horas, como se fosse um corpo que está ao bel prazer de qualquer homem que quisesse dar satisfação aos seus desejos sexuais”, analisa.
Em caso de violência contra a mulher, todo mundo mete a colher
Ainda, para estudiosa, a disseminação das informações são preponderantes para que as vítimas possam se reconhecer em situações de abuso. “Outro desafio é fazer com que as mulheres identifiquem que certos comportamentos que antes eram naturalizados podem ser caracterizados como importunação sexual, assédio e estupro, para que elas consigam, por sua vez, denunciar”, diz.
Porém, ela evidencia que o acesso às discussões através de programas de conscientização, por exemplo, também é fundamental para que os homens se identifiquem como agressores. “Mas este desafio não é só para as mulheres denunciarem, ele também tem que ser divulgado em toda a sociedade, para que os homens saibam que estão incorrendo em um delito, já que a percepção sobre que é violência sexual vai se transformando com o tempo. Tem um histórico do que era considerado estupro anos atrás que é muito diferente do que se concebe agora”, observa.
Judiciário com perspectiva de gênero
Ramírez-Gálvez pontua a importância de que o poder Judiciário adote protocolos de gênero desde o recebimento das denúncias aos julgamentos, para além das delegacias especializadas de atendimento à mulher. “Toda delegacia deveria estar preparada para recebimento da vítima. O inquérito policial também precisa ter esta abordagem. Já existem documentos que orientam, inclusive, julgamentos para pensar a partir de perspectiva de gênero para não revitimizar as mulheres de maneira que se pense que são crimes, muitas vezes, que é difícil coletar provas materiais, conseguir testemunhas e saber que nestes casos a palavra da vítima deve ser respeitada, levada a sério”, ressalta.
Em outubro de 2021, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) estabeleceu a aplicação do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero em todos os ramos de Justiça e regiões do país. Antes, tratava-se apenas de uma recomendação. O documento fomenta a adoção da imparcialidade no julgamento de casos de violência contra mulheres evitando avaliações baseadas em estereótipos, preconceitos e desigualdades históricas de gênero.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.