Pela primeira vez, Brasil tem a identificação oficial deste grupo populacional no censo
Pela primeira vez na história o IBGE buscou contabilizar e identificar a população quilombola no país. Utilizando o critério de autodeclaração, foram contabilizados 1,32 milhão de quilombolas no país e no Paraná, são 7.113 quilombolas, sendo o 20º estado em número de integrantes deste grupo populacional e o segundo na Região Sul. Para lideranças e ativistas das comunidades quilombolas, este levantamento irá contribuir para elaboração de politicas públicas.
Segundo publicação do relatório do IBGE, “o levantamento censitário sobre a população quilombola e suas características demográficas, geográficas e socioeconômicas contou com o apoio das lideranças comunitárias desse grupo étnico foi primordial, tanto no suporte ao trabalho de campo para mapeamento das comunidades, quanto nos procedimentos de guia para os recenseadores, o que garantiu a visitação de todos os territórios no País.”
Para a pesquisadora e ativista Isabela Cruz, trata-se de uma conquista importante para que o poder público possa incidir com políticas públicas.
“Não é só uma conquista para os quilombolas, mas para a população brasileira como um todo, porque a partir disso podemos olhar para os dados e visualizar essa diversidade e termos mais conhecimento de quem somos. Há anos as lideranças quilombolas vem pautando a necessidade de contabilizar a população quilombola em todo o território nacional porque com esses dados podemos saber onde incidir politicamente para combater as desigualdades históricas do nosso país,” diz.
Quilombolas fora dos territórios
Entre os dados, destaca-se que apenas 9,11% dos autodeclarados quilombolas no Paraná residem em territórios quilombolas. São 804 pessoas vivendo nesses locais, sendo que entre essas, 648 se auto intitularam quilombolas. Carla Galvão, da Federação Estadual das Comunidades Quilombolas do Paraná, atribui estes dados à falta de titulação. “Acho que tivemos problemas na hora do censo porque várias comunidades ainda não têm seu título do território. Portanto, ainda tivemos muitas pessoas que não se declararam quilombolas por estarem longe das suas comunidades. Por isso, acho que o número é um pouco maior,” diz.
Para Isabela, estes dados se explicam pela falta de políticas públicas que garantam a titulação. “Quando a gente fala que muitas pessoas estão fora do território, precisamos nos perguntar porque estão fora. Podemos citar dois pontos importantes, um a falta de titulação que comprove que essas terras ou outras são das famílias quilombolas e porque ainda há falta de entendimento sobre esta principal reivindicação das comunidades e, muitas vezes, ações violentas que expulsam estas pessoas dos seus territórios,” explica.
Segundo os dados do IBGE, o maior grupo de quilombolas vive em territórios em Adrianópolis (325), seguido de Reserva do Iguaçu (174) e Doutor Ulysses (142), mas a população autodeclarada também está em territórios de Castro, Cerro Azul, Curiúva e Guaíra. Outros 6.465 quilombolas, ou 90,89% dessa população, vivem fora dos territórios oficialmente delimitados ou com potencial ocupação quilombola.
O Paraná possui, segundo levantamento do Grupo de Trabalho Clóvis Moura, 86 comunidades quilombolas. No momento, segundo dados da ONG Terra de Direitos, há apenas 39 processos de regularização fundiária abertos no INCRA e 38 comunidades certificadas na Fundação Cultural Palmares. Segundo Kathleen Scalassara, assessora jurídica da ONG Terra de Direitos, que acompanha estes processos, há um déficit na identificação dessas comunidades no estado, o que implica em uma base de dados para políticas públicas também deficitária.
“A dificuldade na identificação das comunidades pode ser um fator que contribui para um número de pessoas autodeclaradas quilombolas menores. No entanto, não se pode desconsiderar o processo de ocupação dos estados da região, que privilegiou a distribuição de terras para europeus e seus descendentes. Os quilombolas que aqui permaneceram foram com muita resistência ao racismo estrutural e institucional. Mesmo que em menor proporção, esses dados revelam a contribuição preta para a formação da sociedade sulista,” destaca.
O Estado conta oficialmente com dez territórios oficialmente delimitados: Invernada Paiol de Telha, em Reserva do Iguaçu, e João Surá, em Adrianópolis, ambos com 148 quilombolas entre o total de residentes; Varzeão, em Doutor Ulysses (123); Córrego do Franco, em Adrianópolis (98); Serra do Apon, em Castro (57); Água Morna, em Curiúva, (32); São João, em Adrianópolis (18); e Manoel Ciriaco (Guaíra), Mamãs (Cerro Azul) e Porto Velho (Adrianópolis), os três sem população autodeclarada.
Os dados, para Isabela, também reforçam a luta pela reivindicação principal dos quilombolas que anda é o acesso a terra. “Sem dívida cabe um olhar de que é um primeiro momento de um longo processo. Olhar para os dados do IBGE, também nos mostra que temos muito trabalho pela frente. Nosso debate e reivindicação centrais é o acesso a terra, é conquistar a titulação coletiva das terras que são das comunidades quilombolas. Estes dados nos trazem um panorama importante para isso,” diz.
Fonte: Brasil de Fato