Mesa contou com representação da UEL, docentes da educação básica e estudantes do ensino médio. Convidada para integrar a mesa, SEED não indicou participante
Nesta quarta-feira (12), no Centro de Letras e Ciências Humanas (CLCH) da Universidade Estadual de Londrina (UEL) ocorreu debate intitulado “Novo ensino médio: os impactos para educação pública”. A atividade buscou ouvir professores, alunos e pesquisadores sobre a reforma em andamento. Estabelecida pela nº 13.415, em 2017, a medida tem sido amplamente criticada pelo movimento estudantil, entidades científicas e docentes que têm tomado as ruas para reivindicar sua revogação.
O evento, organizado pela Rádio UEL FM, Rede Lume de Jornalistas e Portal Verdade, contou com as presenças de Kainan Ferreira de Araújo (estudante do Colégio Estadual Maestro Andréa Nuzzi e presidente do Grêmio Estudantil Diversidade); Rogério Nunes da Silva (docente de Sociologia na rede estadual de ensino e secretário de assuntos jurídicos da APP-Sindicato Londrina) e Sandra Garcia (professora do Departamento de Educação da UEL, coordenadora da Rede EMpesquisa e do Observatório do Ensino Médio). A Secretaria de Estado e Educação (SEED) também foi convidada, mas não enviou nenhum representante.
Entre os principais desacordos apontados pelos integrantes da mesa estão: falta de diálogo dos governos federal e estaduais com estudantes e professorado – principais sujeitos afetados pela mudança – também exclusão de conhecimentos historicamente validados do currículo, negligência à realidade dos alunos, principalmente, dos que trabalham e, consequentemente, ampliação das desigualdades socioeducacionais e aprofundamento da precarização das condições de trabalho para profissionais da educação. Acompanhe abaixo apontamentos trazidos pelos participantes.
Esvaziamento científico dos currículos
Com a iniciativa, a carga horária do ensino médio passa a ser de 3.000 horas, sendo que 1.800 horas devem ser destinadas a uma grade curricular comum, ofertada a todos os estudantes. Já as outras 1.200 devem ser preenchidas por “itinerários formativos”, os quais, teoricamente, os alunos poderiam escolher quais disciplinas desejam cursar. O Ministério da Educação estabeleceu cinco percursos que deveriam ser disponibilizados aos secundaristas: Matemáticas e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e formação técnica.
“O que professores, pesquisadores, estudantes anunciaram em 2016 se concretizou, grande descompasso sobre o que a Lei propunha e o que as escolas realmente implantaram. Uma minimização do conhecimento básico e a criação de uma porção de penduricalhos no currículo das escolas. O protagonismo juvenil tão falado não se concretizou, os itinerários não partem dos estudantes e sim das secretarias e, consequentemente, do que as escolas podem oferecer”, ressalta Garcia.
Mais atrativo para quem?
Atualmente, professor Rogério Nunes leciona em quatro escolas estaduais de Londrina, sendo três localizadas na zona norte e uma na região central da cidade. Ele lembra que o acesso à educação gratuita é direito garantido pela Constituição Federal de 1988, porém, considera que as “contrarreformas” estabelecidas desde o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) – entre elas a do ensino médio – tem desmontado o estado de bem-estar social e, portanto, dificultado a universalidade dos serviços públicos.
O docente destaca o “empresariamento” da educação através do novo ensino médio, uma vez que entidades privadas assumem a responsabilidade do estado. Os reflexos, segundo ele, podem ser percebidos no controle do recurso público por conglomerados educacionais particulares e cerceamento à prática docente. De acordo com Nunes, a APP-Sindicato, coletivo que representa, defende a revogação da reforma por entender que ela fere o direito social à educação. Confira:
Segundo o professor, entre as 2.100 escolas que integram a rede estadual de educação do Paraná, apenas dois itinerários formativos têm sido ofertados, sendo que em colégios menores é frequente a disponibilidade de somente um percurso. “Eu trabalho às quintas-feiras à noite no Colégio Estadual da Warta, escola pública pequena, e lá tem um itinerário só que é Matemática e Ciências da Natureza. Os jovens que estudam à noite têm a autonomia de escolher este itinerário. Se eles quiserem fazer outro itinerário, terão que procurar outra escola pública à noite fora do Distrito”, pontua.
Nunes também evidencia que, a iniciativa conduzida de maneira aligeirada, não forneceu aos ambientes escolares condições estruturais adequadas para compor o ensino integral. Além disso, para ele, a modalidade deve ser pensada em conjunto com outras políticas que considerem o cotidiano das juventudes, sobretudo, dos grupos mais vulnerabilizados.
“Um dos pontos é ampliação da jornada, educação em tempo integral. Não se faz ampliação da jornada sem uma política séria de apoio e permanência estudantil. Se tem alunos que são trabalhadores, eu preciso de bolsas para que alunos fiquem na escola. Qualquer discussão que vise aumentar a jornada nas escolas públicas que não considere isso, é excludente”, adverte.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que, em 2020, a taxa de abandono escolar no ensino médio, foi de 7,6%. O índice representa aproximadamente 401 mil jovens entre 15 e 17 anos deixando as escolas. Porém, ao separarmos os dados por pertencimento étnico-racial, notamos que a proporção de evasão escolar entre jovens negros é quase o dobro (9,1%) do que entre brancos (4,9%).
“Eu quero um professor na sala de aula, não um coach”
Kainan Ferreira de Araújo, estudante do ensino médio técnico em Cambé, região metropolitana de Londrina, também chama atenção para a condição do aluno trabalhador. Ele conta que, em seu Colégio, com a inclusão da sexta aula, as atividades no período matutino terminam às 12h45, porém há discentes que começam suas jornadas de trabalho às 13h. Com isso, muitos precisam sair mais cedo. “Ou você almoça ou chega atrasado no serviço. Onde que está a igualdade?”, questiona.
O aluno também evidencia a crescente plataformização do ensino no estado, a exemplo dos programas “Inglês Paraná” e “Redação Paraná”, que além de retirar a autonomia docente, apresenta divergências em relação aos conteúdos apresentados no livro didático. “Toda propaganda que o governo faz não é passado para gente. Eles propõem várias atividades, mas quando chega na escola é mal executado. Igual quando eu fui entrar no ensino técnico, a escola não estava preparada. O governo só mandou assim para os estudantes, ‘escolha entre Administração, Desenvolvimento de Sistemas ou mudar para a noite’, não deu a opção do ensino regular”, relata.
No Colégio Estadual Maestro Andréa Nuzzi, onde ele estuda, um dos cinco maiores do Paraná são ofertados apenas dois itinerários: Ciências da Natureza e Matemática e Ciências Humanas e Linguagens. Araújo também reforça a oferta de matérias repetidas e sem comprovação científica ao passo que saberes, que considera importantes como Filosofia, Sociologia são retirados da grade curricular.
“O debate foi muito importante para demonstrar que estamos insatisfeitos, que não somos um grupo pequeno. Nós mostramos a realidade dos professores, dentro das escolas que não é as mil maravilhas que eles querem mostrar”, analisa.
Acompanhe o debate na íntegra:
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.