Diretrizes valem para os novos servidores que ingressarem na administração pública federal. Na última década, índice de reprovação foi de apenas 0,23%
No início deste mês, o Palácio do Planalto publicou decreto nº 12.374, que reformula as regras do estágio probatório para todos os servidores que ingressam na administração pública federal. A partir de agora, o estágio probatório prevê três ciclos de avaliação, um por ano, em todos os órgãos federais (acompanhe regulamento na íntegra aqui).
Lincoln Ramos, diretor da Secretaria de Saúde do Trabalhador do SindPRevs-PR (Sindicato dos Servidores Públicos Federais em Saúde, Trabalho, Previdência Social e Ação Social do Estado do Paraná), representante da Fenasps (Federação Nacional de Sindicatos de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social) chama atenção para a necessidade de mudanças nos processos de avaliação.
De acordo com a liderança, com exceção do critério da assiduidade, ou seja, a frequência do servidor no local de trabalho em horário estipulado, os demais itens de avaliação têm sido extremamente subjetivos. Ele cita o exemplo da “disciplina”.
“Então, eu vou avaliar a disciplina do servidor, como que ele se comporta no seu local de trabalho. E, se esse servidor é uma pessoa que reivindica os seus direitos, é sindicalizado, participa das atividades do sindicato, ele pode ser avaliado pela chefia como indisciplinado. Há uma subjetividade que precisa ser levada em consideração”, diz.
Outro parâmetro utilizado é a “capacidade de iniciativa”. Ramos questiona o critério face a realização de trabalhos cada vez mais burocratizados. “É pedido para esse servidor tirar 100 cópias, é um serviço repetitivo. Como que eu avalio capacidade de iniciativa em um trabalho repetitivo? ”, pontua.
Ainda, há o critério da “produtividade” que, como lembra o sindicalista é estabelecida pelo próprio governo federal a partir de índices cada vez mais elevados.
“Quem estabelece as regras da produtividade é o próprio governo. E estabelece a regra sempre no maior patamar. Então, se eu já estabeleço a regra no maior patamar, como é que eu vou ter uma margem para a produtividade dentro desse sistema de trabalho que é estabelecido? ”, adverte.
A legislação também padroniza o sistema, de forma que a avaliação não fique restrita à chefia. A análise ocorrerá em três dimensões: autoavaliação, avaliação da chefia e dos pares, esta última quando a unidade tiver, no mínimo, três pessoas.
De acordo com o texto, a cada ciclo, o novo servidor terá uma avaliação que chegará a 100 pontos, sendo 60% para os conceitos atribuídos pela chefia imediata, 25% para a avaliação dos pares e 15% para os conceitos atribuídos pelo próprio servidor. Quando não houver, no mínimo, três pares em condições de avaliar, a avaliação da chefia imediata passa a valer 72,5% e a autoavaliação ganha peso de 27,5%.
Ramos ressalta que, mesmo com a mudança, a avaliação ainda permanece muito centralizada na chefia direta. Ele classifica o regulamento como “mais do mesmo” já que não abre margem para discussões mais amplas.
“Os percentuais menores que a comissão de servidores e o próprio servidor vão influenciar muito pouco sobre a decisão que a chefia tiver sobre esse servidor. Então, nos parece, num primeiro momento, que é apenas mais do mesmo. É só uma forma de dizer ‘olha, estou sendo um pouquinho mais democrático’, quando, na verdade, não está. O processo avaliativo continua na mão da chefia imediata e ela, gostando da pessoa, avalia positivamente. Não gostando da pessoa, avalia negativamente e utiliza desses instrumentos de subjetividade para justificar”, sinaliza.
“O detalhe é que nós temos muitos locais de trabalho que não tem mais de três servidores para montar essas comissões, o que é um problema. Por que que é um grande problema? Porque, quando é do interesse da chefia imediata, ela avalia o servidor de forma positiva. Quando não é do interesse da chefia imediata, ela avalia esse servidor de forma negativa e isso não tem nada a ver com o processo administrativo, tem a ver com as relações interpessoais no local de trabalho”, ele complementa.
Embora o decreto padronize o estágio probatório, com os três ciclos, programa de desenvolvimento e avaliações em três dimensões, não há mudanças em relação aos fatores de avaliações definidos pela Lei 8.112, que trata do regime jurídico único dos servidores federais. Assim, os fatores de avaliação continuam sendo “assiduidade, disciplina, capacidade de iniciativa, produtividade e responsabilidade”.

Foto: Agência Brasil
Programa de desenvolvimento inicial
O decreto ainda incorpora ao período de estágio um programa de desenvolvimento inicial, que, de acordo com o MGI (Ministério da Gestão e da Inovação) visa proporcionar ao servidor acesso a conteúdos mínimos para o exercício da função pública. O curso será oferecido pela Enap (Escola Nacional de Administração Pública) e será obrigatório para que o servidor seja efetivado.
O programa de desenvolvimento inicial abrangerá conteúdos relacionados à organização da administração pública federal, integridade e ética no serviço público; organização do estado democrático de direito; políticas públicas e desenvolvimento nacional; letramento digital; e gestão do conhecimento e da comunicação. Segundo o decreto, os servidores em estágio probatório deverão concluir as ações até o encerramento do segundo ciclo avaliativo.
Ramos avalia que os temas, embora importantes para a formação, são muito genéricos e não contribuem diretamente para o exercício das funções no cotidiano.
“Alguns aspectos desses temas podem contribuir, porque é importante que o servidor, por exemplo, conheça os princípios legais. Então, se a escola que for fazer esse programa de treinamento, tiver esse entendimento, vai carregar um pouco mais o conteúdo nos princípios legais, e isso certamente ajudará o servidor a ter conhecimento desses princípios, a arcabouço legal, e isso facilitará o seu andar dentro do serviço, mas essa formação inicial está muito longe do trabalho que o servidor irá desenvolver”, observa.
Para a liderança, é fundamental incluir temas que dialoguem diretamente com a função que o servidor irá desempenhar.
“Esse treinamento inicial, poderia ter alguns conhecimentos gerais que é importante que o servidor possa adquirir como arcabouço legal, mas ele também deveria ter alguns conhecimentos específicos da tarefa pela qual ele se propôs a concorrer a uma vaga no serviço público e que irá desenvolver suas atividades na rotina”, sugere.
Para ser aprovado no estágio probatório, o novo servidor precisará obter “média igual ou superior a oitenta pontos, calculada com base nos resultados dos três ciclos avaliativos e apresentar o certificado de conclusão de programa de desenvolvimento inicial”.
Na última década, houve 182 mil ingressos na administração pública federal, sendo que o total de reprovados no atual modelo de estágio probatório foi de 426 (0,23% do total).
Recurso e cerceamento a direito de ampla defesa
Ramos também aponta incongruências no processo de interposição de recursos. Conforme alerta, a primeira contestação é submetida a própria chefia imediata, responsável pela avaliação. “Qual a chance de mudar a reavaliação desse chefe que já não gosta dessa pessoa?”, questiona.
Caso não haja alteração, o servidor poderá recorrer a uma comissão especial, que também conta com a participação gestores diretos. Para Ramos, a construção dos ritos, deixa o direito a ampla defesa extremamente fragilizado.
“Essa forma de conduzir o recurso do servidor, deixa pouca margem para que realmente esse servidor seja reavaliado, de preferência por outras pessoas que não a chefia imediata, porque se tiver algum problema de relação interpessoal, esse problema não será resolvido com o pedido de reavaliação, o que coloca em cheque a avaliação desse servidor”, destaca.
“Temos uma aplicabilidade da lei, muito mais no sentido de punir esse servidor sem que ele tenha o seu amplo direito de defesa resguardado”, ressalva.
Os órgãos do governo federal terão 60 dias para se adequar as novas normas.

Foto: Agência Brasil
Data-base
Ramos compartilha que, embora as entidades que representam o funcionalismo federal estejam atentas ao decreto, neste momento, os esforços estão centrados no pagamento da data-base.
Conforme informado pelo Portal Verdade, com o atraso na votação da Lei Orçamentária Anual de 2025, que deveria ter sido aprovada no ano passado e cuja apreciação no Congresso Nacional deve ocorrer apenas em março, o pagamento do reajuste salarial dos servidores federais ficou indefinido (relembre aqui).
“As entidades começarão a discutir mais a miúde e vamos cobrar o governo para melhorias no decreto. Melhorar os critérios de avaliação que ainda estão muito subjetivos, preciso de um detalhamento melhor”, compartilha.
Ainda, ele alerta que, mesmo entre os servidores que já compõem o quadro, os processos de avaliação de desempenho têm sido cada vez mais rígidos, possibilitando a demissão por justa causa sem que haja o direito a ampla defesa.
“O governo cada vez mais pede metas abusivas na execução das atividades e como contrapartida quando o trabalhador não cumpre essas metas, estabelece desconto no salário. Não havia regulamentação legal para isso, mas ele vem autorizando, de modo infralegal, ou seja, mesmo que não esteja previsto na lei, através de decretos, portarias, no sentido de prejudicar esse servidor”, aponta.
“Fica o alerta para as entidades que precisam se debruçar cuidadosamente sobre esse tema, não só quem entra, mas quem já está na ativa também”, ressalta.
Nesta quinta-feira (20), em Brasília, acontece a 1ª reunião da Mesa Central de Negociação para debate das reivindicações dos servidores federais em 2025. Conforme informado pelo Portal Verdade, entre as demandas estão a regulamentação do direito à greve e equiparação de benefícios (saiba mais).

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.