Número de vítimas cresce, e perfil de agressores e locais de ocorrências acendem alerta para políticas públicas
O Brasil registrou um aumento expressivo nas denúncias de violações aos direitos humanos em 2024. O Disque 100, canal do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, recebeu mais de 657,2 mil denúncias, um crescimento de 22,6% em relação a 2023, quando foram registradas 536,1 mil queixas. Os dados, divulgados no balanço anual do governo, revelam um cenário preocupante: o total de violações verificadas subiu de 3,4 milhões para 4,3 milhões no período analisado, uma média de mais de seis violações por denúncia.
Entre os tipos mais recorrentes de violações estão negligência à integridade (464,3 mil casos), tortura psíquica (389,3 mil) e riscos à saúde por exposição física (368,7 mil). O perfil das vítimas e dos agressores, assim como os locais das ocorrências, expõem dinâmicas sociais complexas que demandam atenção de políticas públicas.
Vítimas e agressores
A maioria das vítimas continua sendo mulheres (372,3 mil), pessoas brancas (261,6 mil) e idosas, especialmente entre 70 e 74 anos (32,5 mil). No entanto, grupos como crianças e adolescentes (289,4 mil) e pessoas idosas (179,6 mil) seguem entre os mais vulneráveis. O dado alarmante é que 301,4 mil casos ocorreram dentro da casa da vítima ou do suspeito, reforçando a violência intrafamiliar como um dos maiores desafios.
Apesar da predominância de mulheres como vítimas, o balanço de 2024 revelou uma mudança significativa no perfil dos agressores: as mulheres lideraram o gênero dos suspeitos de agressão, com 283,1 mil casos, um aumento de 28,8% em relação ao ano anterior. Essa inversão reforça a necessidade de maior aprofundamento sobre a violência de mulheres contra outras mulheres ou contra crianças, especialmente no contexto de relações familiares.
Os principais suspeitos são parentes de primeiro grau, como mães (160,8 mil casos), filhos ou filhas (108,8 mil) e pais (49,2 mil). Essa característica reafirma que a violência tem origem, muitas vezes, em lares onde deveria predominar proteção.
Os estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais aparecem no topo das denúncias e também lideram em número de violações. Em São Paulo, foram registrados 174,6 mil denúncias e 1,17 milhão de violações; no Rio de Janeiro, 83,1 mil denúncias e 562,1 mil violações; e em Minas Gerais, 72,8 mil denúncias e 490,6 mil violações. Esses números refletem tanto a densidade populacional quanto a necessidade de maior articulação entre os serviços de proteção e apuração nos estados.
Disque 100
O Disque Direitos Humanos, mais conhecido como Disque 100, desempenha um papel crucial na identificação de casos de violência e na articulação com órgãos de proteção, como conselhos tutelares, Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), delegacias especializadas e o Ministério Público. Ainda assim, é provável que os números representem apenas a ponta do iceberg.
Embora o serviço esteja disponível por telefone, WhatsApp, Telegram e videochamada para surdos em Libras, a subnotificação ainda é um problema estrutural. A cultura do silêncio e o medo de represálias impedem que muitas vítimas ou testemunhas busquem ajuda.
O que dizem especialistas
O aumento das denúncias, embora preocupante, também pode ser interpretado como um reflexo de maior conscientização sobre os canais de denúncia e os direitos humanos. A socióloga e pesquisadora Maria Helena Barros, especialista em violência intrafamiliar, observa que “o Disque 100 se tornou uma ferramenta de resistência em um contexto onde a naturalização da violência ainda é uma barreira a ser enfrentada”.
Por outro lado, a mudança no perfil dos agressores levanta novas questões. “O crescimento de mulheres como perpetradoras de violência indica uma necessidade de reavaliar o impacto de desigualdades de gênero que atravessam a sociedade e se manifestam em diferentes formas de abuso”, analisa a professora de psicologia social Cláudia Moura, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Desafios para o futuro
Os números de 2024 são um chamado à ação para governos, sociedade civil e organismos internacionais. O enfrentamento da violência passa por políticas públicas integradas, que incluam programas de educação, fortalecimento da rede de proteção social e combate à desigualdade estrutural.
Em um cenário marcado pelo crescimento das denúncias e mudanças nos perfis de vítimas e agressores, é crucial não apenas ampliar os canais de denúncia, mas também promover a responsabilização dos infratores e o acolhimento das vítimas.
“Uma sociedade que não protege seus membros mais vulneráveis falha em garantir o mínimo de dignidade e respeito aos direitos humanos”, alerta Barros.
O caminho para a superação dessa realidade começa com a conscientização, mas depende de vontade política e de um compromisso ético com os valores fundamentais da democracia e dos direitos humanos.
Serviços de denúncia
O Disque 100 recebe denúncias por telefone, WhatsApp ((61) 99611-0100), Telegram (@direitoshumanosbrasil) e videochamada em Libras (site oficial). As queixas são encaminhadas aos órgãos responsáveis para apuração e providências.
Fonte: Semana On