STF retomou, na última semana, julgamento que começou em 2015; antes da sessão ser encerrada 4 ministros votaram a favor
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou na última semana o julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso pessoal. A análise do assunto começou em 2015 e, na última quinta-feira (3), após o voto do ministro Alexandre de Moraes, a sessão foi adiada novamente com quatro votos favoráveis à descriminalização.
Em seu voto, Alexandre de Moraes sugeriu que entre 25 e 60 gramas seja a quantidade permitida por usuário. O ministro Gilmar Mendes, que é relator do caso, pediu o adiamento para formular uma nova tese sobre o caso.
Especialistas apontam que a decisão favorável pode reduzir os efeitos negativos da chamada “guerra às drogas”. É o que explica a integrante da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa), Fani Santos. Para ela, os impactos são ainda maiores no Rio de Janeiro, principalmente, para as pessoas negras e periféricas.
“Qualquer operação que acontece nas favelas é morte e não é coincidência todos esses corpos que são arrastados pelos policiais e jogados em ‘caveirões’ serem corpos negros”, diz.
Fani acredita que o debate no STF é muito importante, ainda que seja um pequeno passo para enfrentar o estigma que usuários de drogas enfrentam. “Para que a gente possa falar sobre política de drogas, sobre pessoas que usam drogas, porque pessoas que usam drogas são demonizadas, só que as drogas existem desde que o mundo existe. A gente precisa lidar com isso, a gente precisa informar as pessoas sobre aquelas substâncias e não as matar, não as prender”, explica.
A tese inicial de Gilmar Mendes propõe a descriminalização de todas as drogas, mas ainda há divergência entre os ministros sobre a medida ser apenas sobre a maconha.
O diretor executivo da Iniciativa Negra por Uma Nova Política sobre Drogas, Dudu Ribeiro, acredita ser fundamental que o debate no STF seja sobre todas as drogas, pois só assim será possível diminuir as consequências da “guerra às drogas”.
“A aplicação da lei ampliou disparidades raciais a partir da disfuncionalidade da polícia e do sistema de justiça. É fundamental que depois da decisão a gente consiga fazer o devido controle dessa disfuncionalidade ou então ela terá pouco efeito na vida das pessoas que mais sofrem hoje com os danos produzidos pela lógica da guerra às drogas”, conta.
Aumento do encarceramento
A nova Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) substituiu a regra de 1976 e faz distinção entre usuário e traficante. Apesar de o tráfico de drogas levar à prisão com pena mínima de cinco anos, usuários apenas levariam advertências, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de cumprir medidas educativas. Porém, a realidade é diferente.
Segundo o diretor da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), Chico Cordeiro, o modelo adotado para lidar com usuários traz como um dos principais impactos o encarceramento.
“Já existe hoje um bom núcleo de pesquisa brasileiro que diz que a maioria das pessoas que são consideradas traficantes são usuárias, e que isso acaba tendo impacto no sistema penal brasileiro. E pensando além, o sistema de justiça chega antes de outros sistemas de garantia de direitos, por exemplo, o sistema de saúde. Se as intervenções relacionadas à saúde chegassem primeiro muito provavelmente não teria essa consequência”, finaliza.
Fonte: BdF Rio de Janeiro