Para engenheiros, chuvas longas e prolongadas apontavam necessidade de medidas de prevenção para antever o deslizamento
O deslizamento de terra na BR-376, que ocorreu no litoral do Paraná e deixou duas pessoas mortas, foi classificado como um “acidente natural” por especialistas ouvidos pelo Plural. No entanto, os dois técnicos consultados afirmaram que as chuvas longas e intensas logo antes do desabamento deveriam ter levado à adoção de medidas preventivas no local.
Para o doutor em Engenharia Mecânica e professor dos cursos de Engenharia da Universidade Positivo (UP), Alysson Nunes Diógenes, como o deslizamento é um fenômeno natural que aconteceria com ou sem a presença humana no local, é preciso se preparar para reduzir o impacto desse acontecimento.
Segundo o professor, apesar de a concessionária ter afirmado que não encontrou vulnerabilidades no trecho onde ocorreu o deslizamento, diante das chuvas concentradas na região, novos monitoramentos deveriam ter sido realizados. “Certamente, se não era classificado como um local de risco, após as chuvas seria.”
Conforme dados do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar), de 26 de novembro até as 9 horas de sexta-feira (2), o volume acumulado de chuvas chegou a ultrapassar o dobro da média histórica para novembro na maioria dos pontos de medição do Litoral e Região Metropolitana de Curitiba.
Naquela semana, a estação meteorológica Vossoroca, em Tijucas do Sul, a mais próxima do km 669 da BR-376, onde ocorreu o deslizamento, registrou 326 milímetros acumulados, sendo que a média para todo o mês de novembro é de 126 mm. Só no dia 28 de novembro, data do desastre, foram 185,4 mm de água.
Assim como Diógenes, o engenheiro civil e professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Rodrigo Moraes da Silveira, sustenta que os deslizamentos acontecem de forma natural e que é difícil prever onde e em quais circunstâncias eles se darão.
“Mas uma coisa é fato: quando você tem ocorrência de chuvas de longa duração e grande intensidade, algumas providências podem ser tomadas para que esses problemas sejam evitados, como a interdição da rodovia por exemplo”, diz.
Monitoramento
Conforme os especialistas, o monitoramento das áreas de encosta é feito por geólogos da concessionária responsável pela rodovia a partir de inspeções visuais diárias. Nessas inspeções, as equipes avaliam, por exemplo, as posições de árvores e varetas que têm determinada profundidade – caso elas estejam tombadas, é indicativo de movimentação de solo. Quando essa deslocação é identificada, é feita a drenagem para que a água não retire mais solo e não gere mais instabilidade no local.
Na visão de Rodrigo Moraes da Silveira, é preciso que a concessionária faça mapeamentos a partir de imagens de satélite ou drones, por exemplo, para identificar ao longo da serra quais os locais que possuem risco de deslizamento. Essas regiões, segundo ele, devem receber atenção para uma possível interdição das vias em períodos de chuva.
“Temos que ter conhecimento da situação de risco em regiões com encostas muito íngremes a partir de um monitoramento geotécnico, que é um acompanhamento de movimento relacionado à presença de água no solo (se está elevada ou não). Se há uma encosta que está apresentando milímetros de movimentos por mês, é lá que você vai atuar com obras de drenagem, contenção, e assim por diante”, explica.
Trabalho de prevenção
Os engenheiros são enfáticos ao dizer que é preciso atuar no problema antes que ele aconteça. Por isso, ambos defendem um trabalho prévio para mitigar o impacto dos deslizamentos.
“Esse tipo de atividade [mapeamento geotécnico] permite que a concessionária tenha um diagnóstico antes de acontecer o problema para proceder com obras de estabilização, como construção de cortinas atirantadas, muros de arrimo e sistemas de drenagem superficial da encosta”, afirma Silveira.
Para o professor da UP, Alysson Nunes Diógenes, deve-se aumentar a frequência dos monitoramentos e também a velocidade com que as obras de contenção de deslizamentos, como os taludes, são executadas. “Uma vez que o acidente ocorreu, é preciso haver melhorias futuras nos modelos de monitoramento para que mesmo locais que hoje não são identificados como de risco, sejam eventualmente reclassificados e feitas as devidas obras de contenção.”
O que diz a concessionária
O Plural procurou a Arteris para saber como é feito o monitoramento das rodovias, se o trecho do deslizamento na BR-376 era considerado perigoso e se existe risco de novas quedas graves na região. A reportagem também questionou sobre a decisão de manter a circulação de veículos na rodovia mesmo após um primeiro deslizamento horas antes, próximo ao local.
A concessionária respondeu que possui um “programa permanente de monitoramento de encostas e que o trecho em que aconteceu o deslizamento é acompanhado periodicamente”, e que, mesmo oito dias após o desastre, “qualquer afirmação sobre as causas do deslizamento seria prematura, pois não contaria com o embasamento técnico necessário”.
A Arteris se solidarizou com amigos e familiares das vítimas, e disse que o atendimento à ocorrência é a prioridade máxima da concessionária neste momento.
O último comunicado divulgado pela empresa, no domingo (4), diz que o trecho onde ocorreu o deslizamento seguiria interditado por pelo menos 48 horas e que nesta terça-feira (06), um novo boletim sobre as condições do local seria divulgado. Até a publicação desta reportagem, no entanto, não houve novos informes da concessionária.
Investigação
O Ministério Público Federal (MPF) e a Polícia Civil do Paraná abriram investigações para apurar as causas e eventuais responsabilidades pelo deslizamento. Até o momento, apenas um dos 12 sobreviventes foi ouvido pela polícia. A investigação ocorre na Delegacia de Delitos de Trânsito (Dedetran).
Fonte: Redação Plural