Desrespeito ao nome social é violência mais recorrente
31 de março é considerado Dia Internacional da Visibilidade Trans. A data tem como finalidade chamar atenção para as reivindicações das populações trans e travestis no mundo, destacando a necessidade de que os países construam políticas que combatam as múltiplas formas de violência contra estas parcelas da sociedade ao mesmo tempo em que garantam acessibilidade a serviços e direitos. Mapeamento desenvolvido pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) estima que existem mais de 3 milhões de pessoas trans no Brasil.
Estudo realizado pelo projeto TransVida, vinculado ao Grupo Pela Vidda, primeiro coletivo formado por pessoas vivendo com HIV e Aids, seus amigos e familiares no Brasil, identificou que a transfobia perpassa diferentes momentos e espaços da vida de homens e mulheres transexuais: da ida ao banheiro à inserção no mercado de trabalho. A pesquisa aplicou questionários online juntamente com entrevistas presenciais.
Ao todo, foram coletadas 147 respostas, sendo a maioria de mulheres trans (42,9%); negras (31,3%) e com idade de 19 a 29 anos (55,1%). Conforme identificado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), a expectativa de vida de vida de uma pessoa trans, no país, não ultrapassa 35 anos, regredindo para 28, se for negra. Também segundo a entidade, 2017 a 2022, foram contabilizados 912 assassinatos de pessoas trans e não binárias. Apenas no ano passado, ocorreram ao menos 131 assassinatos. Os números colocam Brasil pelo 14º ano consecutivo como o país que mais mata transexuais e travestis no mundo.
A maior parte dos participantes possui vínculo de trabalho informal (27,2%). Somente 15% indicaram ter um trabalho com carteira assinada. Além disso, majoritariamente, afirmaram que são os únicos trabalhadores transexuais das empresas em que atuam (52,7%). O meio mais comum pontuado para obtenção da vaga foi a indicação de amigos e conhecidos (48%). O documento ressalta que também é frequente o encaminhamento por organizações não governamentais. Algumas empresas têm criado programas que reservam vagas específicas para pessoas trans.
Joana*, mulher trans, é uma das funcionárias que ingressou, via ações afirmativas, em uma das unidades de uma rede de hipermercados no ano passado. Caminhando para um ano de experiência na empresa, ela conta que já passou por discriminações por parte de colegas de trabalho. “Na reposição de produtos, teve uma vez, que representante insistia em se referir a mim no masculino. Além das minhas roupas, maquiagem, acessórios, eu estava com o meu crachá. E eu corrigi, mas ele não parecia ouvir e insistia. Chegou a me chamar de ‘irmão’, ela conta.
Para Joana faltam atividades que visem debater direitos e violências contra pessoas nos espaços corporativos. “Garantir nossa entrada é fundamental, mas não basta. Precisamos discutir a convivência com respeito, saudável no dia a dia mesmo, as empresas precisam garantir reconhecimento ao nome social, banheiro, educar seus colaboradores. As pessoas de maneira geral precisam entender que somos gente como elas, não tem nada de anormal conosco”, salienta.
A investigação também pediu para que os respondentes mencionassem se já haviam sofrido algum tipo de preconceito no ambiente de trabalho. A maioria declarou que já foi vítima de transfobia (27,6%); seguido de racismo (14,2%) e homofobia (9%). As violências preponderantes relatadas foram: desrespeito ao nome social (16,4%) e proibição de usar o banheiro de acordo com o gênero que se identificam (6%).
Excluídos (também) da vida escolar
As barreiras para acesso à educação também foram verificadas: quase metade dos entrevistados (49%) conseguiu concluir o ensino médio, porém, não tiveram chances de prosseguir com os estudos. Do total, somente 21,1% concluiu o ensino superior. Apenas um em cada quatro participantes disse nunca ter sofrido nenhum tipo de discriminação durante suas trajetórias escolares.
Enquanto 15% decidiram denunciar essas agressões à escola ou a autoridades, a maioria preferiu (29,9%) não dizer nada. Também chama atenção que parcela significativa abandonou os estudos após episódios de violência (10,2%).
“Na escola, eu ouvia muitos xingamentos, “brincadeiras” dos colegas que tentavam me ridicularizar. Também já fui agredida fisicamente, empurrada. Convivia com medo. A constante sensação que não fazia parte daquele espaço. As pessoas nem precisavam dizer nada, os olhares muitas vezes já demonstravam. Para permanecer na escola tive que ter muita resistência”, relembra Joana.
*O nome foi trocado para preservar a identidade da fonte que tem receio de sofrer retaliações.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.