O número já é superior aos crimes cometidos durante todo ano de 2021, quando 75 mulheres foram vitimadas
25 de novembro é considerado o Dia Internacional para Eliminação da Violência contra Mulheres. A data, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), busca homenagear as irmãs Pátria, Minerva e Maria Teresa Mirabal, assassinadas pela ditadura comandada por Rafael Leónidas Trujillo na República Dominicana no início da década de 1960. As “irmãs Mirabal” ou “as borboletas” como ficaram conhecidas foram mortas por denunciar as opressões do regime e tornaram-se, assim, símbolos contra as violências de gênero.
Em 1991, teve início a Campanha Mundial pelos Direitos Humanos das Mulheres. A medida propõe, anualmente, 16 dias de ativismo contra as violências. O período inicia em 25 de novembro e segue até 10 de dezembro, marco da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2021, ocorreram 1.354 crimes de feminicídio no país, pequena redução face a 2020, quando foram registrados 1.341 assassinatos.
A maioria das vítimas (62%) eram mulheres negras e 37,5% brancas. Porém, estudiosos das questões de gênero, indicam que, provavelmente há subnotificação dos dados, visto que, além das dificuldades de realizar as denúncias, não há homogeneidade na coleta e tratamento dos dados entre os estados.

Quando a casa (também) não é um lugar seguro
No Brasil, a Lei Maria da Penha, estabelecida em 2006, defini violência doméstica e familiar contra a mulher como: “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.” Mais recentemente, em 2015, a Lei 13.104, foi responsável por reconhecer o crime de feminicídio, alterando o Código Penal de 1940, e estabelecendo o atentado como circunstância qualificadora do crime de homicídio. Tipifica, ainda, o crime de feminicídio como hediondo, estando atrelado a situações de violência doméstica e familiar e menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Estudo publicizado na última quarta-feira (23) pela ONU Mulheres revela que, no ano passado, mais de cinco mulheres ou meninas foram assassinadas por hora no mundo. Dentre os feminicídios, 56% foram cometidos por parceiros ou familiares. Por outro lado, apenas 11% de crimes contra homens ocorreram na esfera privada. A pesquisa ressalta também que o número deve ser ainda maior, visto que diversos países apresentam dificuldades em nomear as violências e criar legislações.
Para Isabeau Lobo, advogada criminalista, mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), pesquisadora sobre as questões de gênero, o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio (22 de julho no Paraná) deveria ser “feriado” a fim de que as pessoas pudessem melhor compreender o que significa a vida de uma mulher retirada pela violência.
“Não é qualquer violência, é pela violência machista, o patriarcado, o peso que isso representa. Eu acredito que quando atribuímos um nome a uma data, ela cria no imaginário social, uma importância, para que não nos esqueçamos nunca das vítimas que se foram”. Além disso, ela destaca o papel da data no respeito a memória das vítimas, familiares e para que toda a sociedade “lembre que a vida da mulher tem valor sim e nós, enquanto mulheres, devemos ser respeitadas”, avalia.
No último ano, foram contabilizados 75 casos de feminicídio no Paraná ante a 73 ocorrências em 2020. Porém, segundo informações do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), até junho deste ano, já foram registrados 95 crimes de feminicídio no estado.
De Ângela Diniz a Cidnéia Mariano
Inúmeros desafios se fazem presentes para que a legislação avance e o olhar estereotipado sobre as vítimas seja desconstruído. Não à toa, especialistas que atuam contra as violências de gênero, apontam que frequentemente a vítima é revitimizada, vide os casos emblemáticos de Ângela Diniz em 1976 e Mariana Ferrer em 2018, embora sejam mulheres brancas – perfil que não é o mais recorrente entre as vítimas – ambas sofreram machismo durante os julgamentos de seus casos, ocasiões em que foram levantadas a justificativa da “legítima defesa da honra”.
Quando se trata do tratamento e resolução de crimes desta natureza, Lobo, conta que durante sua atuação profissional, bem como no período em que integrou o Néias – Observatório de Feminicídios (o coletivo surge em homenagem a Cidnéia Mariano, vítima de feminicídio em Londrina) consegue observar mudanças significativas na postura do poder Judiciário, principalmente, do Tribunal do Júri. “No que atine aos julgamentos envolvendo feminicídios, temos visto uma maior celeridade nas respostas e na valorização da vida destas mulheres que foram ameaçadas quando não ceifadas vem acontecendo bastante”, afirma.
Porém, olhando, especificamente para Londrina, ela ressalta que ainda há falhas como a necessidade de um letramento mais aprofundado sobre as relações de gênero por parte dos operadores da Justiça contribuindo, assim, para que a mulher não seja considerada apenas “prova”, esvaziada de sua história e, portanto, não compreendida como sujeito do processo. “Elas podem ter falecido em decorrência da violência feminicida da qual foram vítimas, mas elas representam ainda uma mãe, uma mulher, uma filha, alguém na sociedade. Pedir respeito a memória destas mulheres ainda é necessário no Judiciário municipal”.
Para Lobo, os meios de comunicação vêm aumentando a cobertura dos crimes de violência contra a mulher na cidade. Segundo ela, os veículos são grandes “aliados” e é fundamental que a imprensa dê atenção para o problema a fim de que as mulheres saibam mais sobre os caminhos para denúncia e sintam que não estão sozinhas.
Segundo relatório do Néias, divulgado no início deste ano, dos 11 julgamentos de feminicídio tentados e consumados em Londrina ao longo de 2021, oito tiveram como principal motivação a decisão da mulher em pôr fim ao relacionamento e apenas três vítimas contavam com MPU (Medida Protetiva de Urgência) quando a violência aconteceu.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.