O Dia Mundial de Conscientização do Autismo, celebrado em 2 de abril, nos leva a refletir sobre as potencialidades e desafios enfrentados por pessoas diagnosticadas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Embora tenha sido descrito pela primeira vez há mais de um século, caracterizado por padrões de comportamento repetitivos, dificuldades na comunicação verbal e não verbal, hoje, o TEA é reconhecido como uma condição multifacetada.
É essencial adotar um olhar amplo e inclusivo, reconhecendo que não existe um único perfil de pessoa autista. Cada indivíduo é único, com suas próprias características e necessidades. Devemos evitar a padronização e a invalidação das experiências individuais, promovendo uma conscientização que considere a verdadeira diversidade da comunidade autista.
Estigmas
Desde a infância até a idade adulta, as necessidades associadas ao autismo requerem atenção e cuidado contínuos. É importante compreender que o autismo não se limita apenas à fase inicial da vida, mas é uma condição que acompanha o indivíduo em seu processo de desenvolvimento.
Urse Brevilheri, estudante de mestrado em Sociologia pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), destaca um dos estigmas persistentes associados ao autismo: a ideia preconcebida do “anjo azul”, que restringe a percepção pública desse transtorno a um estereótipo limitado. No entanto, o autismo transcende essas definições simplistas, afetando pessoas de todas as origens, gêneros e classes sociais.
“A ideia de que o autismo se restringe a homens, geralmente crianças, e especialmente meninos brancos de classe média ou alta, é um estigma persistente. Contudo, estudos recentes destacam o subdiagnóstico em mulheres designadas ao nascimento e pessoas que se identificam como mulheres. Essa diversidade de experiências desafia a imagem estereotipada do autismo propagada na mídia, questionando quem representa verdadeiramente essa condição”, explica Brevilheri.
Mercado de trabalho
A falta de compreensão sobre as dificuldades enfrentadas por adultos autistas se estende por vários espaços, como o ambiente de trabalho. Muitas vezes, as empresas não estão preparadas para adaptar suas práticas às necessidades das funções executivas dos autistas, o que pode resultar em estigmatização e interpretações equivocadas de sua produtividade e comprometimento.
Para Brevilheri, é essencial reconhecer que muitas das dificuldades enfrentadas por adultos autistas não são inerentes à sua condição neurológica, mas sim resultado de uma sociedade moldada para a neurodiversidade típica. Cobrar comportamentos típicos de indivíduos neuroatípicos, é injusto e reflete no desentendimento das suas características únicas.
“A transformação desse cenário exige uma revisão profunda da perspectiva social, que reconheça e valorize a diversidade de experiências dentro da comunidade autista. Isso requer uma mudança fundamental na forma como a sociedade percebe e responde às necessidades das pessoas neuroatípicas. Ouvir atentamente as vozes autistas e promover mecanismos de comunicação alternativa são passos fundamentais para garantir que suas necessidades sejam adequadamente representadas e atendida”, diz.
Políticas públicas
No âmbito educacional, surge uma preocupação recorrente relacionada à falta de formação específica de profissionais para lidar com indivíduos autistas. O estigma em torno do autismo muitas vezes resulta na reprodução de discursos inadequados que não atendem às necessidades dessa comunidade de forma abrangente.
A presença de psicólogos, terapeutas ocupacionais, pedagogos e outros profissionais especializados são fundamentais em diversos contextos, como escolas e serviços de saúde públicos, onde pessoas autistas acessam regularmente.
“O autista acessa todo tipo de serviço público, assim como toda a população, então isso precisa ser considerado, nos espaços em que não dá para ter essas pessoas, que pelo menos esses profissionais possam produzir formações que consigam, de alguma forma, fazer alguma atividade que conduz nesse sentido. Então, acho que mais do que uma política educacional, acho que a política educacional é importante, mas eu acho que ela é sobre uma política geral, que precisa permear os espaços”, pontua Urse Brevilheri.
De acordo com a socióloga, um exemplo eficaz é a existência de centros de acessibilidade em algumas universidades, como na Universidade Estadual de Londrina, que oferecem suporte específico para essa comunidade. No entanto, é importante que o conhecimento científico produzido nessa área seja devidamente incorporado nos serviços públicos, garantindo que as necessidades das pessoas autistas sejam compreendidas e atendidas de forma adequada.
Além disso, políticas educacionais devem abordar não apenas a entrada, mas também a permanência dessas pessoas no sistema educacional, especialmente no ensino superior.
Mesmo com políticas de cotas, pessoas autistas enfrentam dificuldades significativas para acessar a universidade, especialmente aquelas que pertencem a grupos marginalizados por questões de gênero, sexualidade e classe social.
“Pensar e considerar isso se reflete justamente em trazer essas perspectivas, trazer as pessoas que têm propriedade, estudo, formação, até realmente pesquisas vinculadas a isso necessariamente, para poderem estar no auxílio, nessa contribuição, participando efetivamente do processo”, argumenta Urse.
Legislação
Conforme a legislação, todas as pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) têm direitos assegurados, equiparados aos das pessoas com deficiência.
Esses direitos devem propor garantias essenciais para sua inclusão e bem-estar, é o que explica Fernando Redede, defensor público e coordenador do Núcleo da Infância e Juventude do Paraná.
Segundo Redede, em termos educacionais, crianças e adolescentes com TEA têm direito a uma política educacional adequada à sua condição. Isso pode incluir medidas como salas de recursos ou o acompanhamento por profissionais durante as atividades escolares, de acordo com as necessidades individuais de cada caso.
Além disso, a legislação prevê isenções de impostos para pais ou responsáveis de crianças com TEA. “Por exemplo, a isenção do pagamento do IPVA pode ser solicitada à Fazenda do Estado, sem a necessidade de comprovação de tratamento de saúde, visando facilitar o acesso à mobilidade para o transporte da criança” explica o coordenador.
Sobre a saúde, é garantido o acesso ao tratamento adequado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelo plano de saúde, assegurando que a pessoa com TEA receba os cuidados necessários para o seu desenvolvimento e bem-estar.
No estado do Paraná, destaca-se a disponibilidade da carteira do autista, um documento gratuito que facilita o acesso a direitos e serviços prioritários. Esta carteira permite o acesso prioritário a atendimentos e serviços, além de proporcionar vagas de estacionamento reservadas para pessoas com TEA e seus acompanhantes.
Por fim, é ressaltado o direito à avaliação e diagnóstico precoce, visando garantir que a criança com TEA tenha acesso oportuno a uma educação e intervenção adequadas, que promovam seu desenvolvimento, aprendizado e autonomia.
“Caso esses direitos não sejam garantidos pelo poder público, a Defensoria Pública está disponível como um recurso para demandar e garantir o acesso a esses direitos fundamentais”, finaliza Redede.
Matéria da estagiária Joyce Keli dos Santos sob supervisão