Liderança do Movimento Negro e do candomblé, recebe título da UEL
No início deste mês, o Conselho Universitário da Universidade Estadual de Londrina (UEL), aprovou a concessão do título de Doutora Honoris Causa à Vilma Santos de Oliveira. A outorga é atribuída a pessoa cuja trajetória tenha contribuído para a humanidade. Mais conhecida como Dona Vilma ou Yá Mukumby, a liderança do Movimento Negro, foi assassinada em agosto de 2013 aos 63 anos. Também foram mortas sua mãe, Alial de Oliveira Santos, com 86 anos, e uma neta de 10 anos. O crime foi motivado por intolerância religiosa.
Segundo dados do Disque 100, canal responsável por acolher denúncias de violações de direitos do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, entre janeiro e junho deste ano, foram registradas 545 queixas de intolerância religiosa no país. Em 2021, no mesmo período, ocorreram 466 denúncias, ou seja, um aumento de 17%. As religiões de matriz africana são as vítimas mais recorrentes.
Professor do Departamento de Ciências Sociais da UEL, Fábio Lanza é um dos autores da biografia “Yá Mukumby, a vida de Vilma Santos de Oliveira”. A obra (disponível aqui) faz parte da coleção “Presença Negra em Londrina”, organizada pelo Laboratório de Cultura e Estudos Afro-Brasileiros (LEAFRO). O docente pontua que, o exemplar lançado em 2010, revisado e ampliado em 2013, contou com a participação intensa de Dona Vilma. “Ela teve oportunidade de junto conosco revisar o texto e auxiliar na pontuação dos detalhamentos acerca do processo de conquista de direitos da população negra dentro da UEL”, afirma.
Lanza destaca a importância de Yá Mukumby para implementação do sistema de cotas étnico-raciais e respeito às religiões de matriz africana. “Ela permanece como uma mulher lutadora, uma ‘macumbeira’ como ela se apresentava que produzia um saber e uma vivência antirracista e que sempre foi muito aguerrida nos seus valores. Yá Mukumby, enquanto liderança religiosa, destaca que a sua formação transitou entre a umbanda até se consolidar no candomblé, e ela sempre foi muito acolhedora com todos independente da adesão religiosa”, ressalta.
De acordo com o pesquisador, o reconhecimento público das contribuições de Yá Mukumby pela UEL integra um movimento amplo em curso na Instituição cuja finalidade é a construção de uma educação antirracista, atenta às múltiplas diversidades presentes na sociedade brasileira. Lembrando que a maior parte do quadro docente da UEL é formada por brancos, ele destaca a necessidade do engajamento da branquitude na superação desta e outras desigualdades.
“O título honoris causa reconhece uma luta que é tornar a Universidade Estadual de Londrina não uma fábrica de diplomados brancos, muito pelo contrário, uma instituição de ensino superior que reconhece a diversidade demográfica, religiosa, e que produz espaços de coexistência das diferenças dentro do seu território. Isso é um grande desafio porque nós estamos imersos em uma sociedade que não comunga destes valores. Então, a UEL segue esta luta que é sem fim na sociedade brasileira”, observa.
Fátima Beraldo, gestora de Política de Igualdade Racial de Londrina, ajudou a levantar a documentação necessária para a atribuição do título. Ela conta que a iniciativa partiu de um grupo de professores da UEL em parceria com o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB). Para Beraldo, a homenagem é estendida para toda população negra tão invisibilizada na história da cidade.
“Ela deu a vida para dar visibilidade e valorização à cultura negra nesta cidade. É a primeira vez que uma mulher negra recebe uma titulação, uma honraria dessa dimensão em Londrina. Da parte da Universidade, é de um papel importantíssimo, essa homenagem a Dona Vilma traz um reconhecimento a toda população negra de Londrina que é sempre esquecida. A população negra não está colocada entre os pioneiros, por exemplo. Esta sempre foi uma luta do movimento negro para tirar do ocultamento, do silenciamento a população negra que também contribuiu para a construção de Londrina”, avalia Beraldo.
Acompanhe a seguir indicação de materiais que abordam a trajetória de Yá Mukumby:
Curta Mulheres, documentário “Dona Vilma”
Podcast “Yalorixá mãe de todos”
“Tudo o que você gostaria de saber sobre macumba e nunca teve coragem de perguntar”, com Dona Vilma
E-book “Relações Etnicorraciais – Saberes e Experiências no Cotidiano Escolar”, acesse gratuitamente aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.