Por Venâncio de Oliveira.
A economia política do capitalismo de tempos de Bolsonaro aparece como um amontoado de conflitos e de violência. Dessa forma é importante analisar o núcleo central da forma desse governo, isto é, uma digressão sobre a economia política do neoliberalismo no estilo de governo do terraplanismo bolsonarista. Posso enumerar diversos conflitos e mortes que povoam nossa realidade desde o golpe e que piorou em 2019. Porém, indo no núcleo duro do modelo de barbárie espontânea e desorganizada desse governo, percebemos que catalisa as caraterísticas estruturais de violência da sociedade brasileira. Assim é preciso olhar a história do Brasil e entender como esse elemento permaneceu entranhado na sociedade para poder entender melhor o núcleo duro da economia política do bolsonarismo.
Na minha dissertação, “política de transnacionalização de capital no Brasil: resultados e limites para o caso da JBS Friboi no setor de carnes”, revivi a tese sobre fronteiras agrícolas e propus que há uma forma de bandeirantismo que se revive na lógica de ocupação do território do Brasil, e que diferente da colônia, agora ele funcionava para o capitalismo brasileiro. Dessa maneira, há a reprodução de uma forma de economia baseada no desmatamento, morte e genocídio de populações originárias e na ocupação extensiva e predatória da terra e dos recursos naturais, com utilização de formas de superexploração e pré-capitalistas de exploração do trabalho análogas à escravidão. Ela é funcional à grande empresa, à medida que, por exemplo, os madeireiros que abrem picada, cedem lugar a produção de soja e de carne que é exportado a Europa. O boi que é produto da violência e do trabalho escravo passa por um frigorífico avançadíssimo, na fina flor do processo produtivo capitalista cheio de máquinas e inovação e vira uma picanha que é vendido a U$ 20 dólares! Ah… desculpa pagamos em reais, então a R$ 100,00.
Essa lógica permaneceu em vários outros governos, mas aqui ela se eleva a condição de protagonismo econômico e social e vai irradiando por todos os poros da nossa sociedade. Os bandidos dominam muita coisa na atual economia. Vivemos de uma verdadeira espoliação de recursos naturais, de carne, de comida, vendidos ao estrangeiro, fragilizando nossa estrutura econômica. Assim, desnacionalizamos nossa indústria e o mercado interno se debilita ainda mais, principalmente no que tange o consumo de bens duráveis, de geladeiras, etc, etc. Junta a depressão salarial e o aumento do custo de vida com informalidade, temos uma circularidade de aumento da pobreza e de outras formas de violência.
Assim, esse bandeirantismo do desmatamento e da espoliação dos recursos naturais é dar poder aos atores mais mesquinhos e violentos (suporte de categorias econômicas), isso que implica numa estrutura econômica altamente concentradora de riquezas com a expansão de pobreza econômica nas franjas do sistema e destruição de meio ambiente, isto é, desarticulação de forças produtivas. Assim, a violência no sul e sudeste tem algo do entendimento da Amazônia como se fosse um lugar dos grileiros, madeireiros, jagunços e daqueles que queimam para vender barato. Quando o atual governo recebe esses atores, fortalece o discurso de que os ambientalistas atrapalham, ele legitima a violência. Mas claro ele legitima a violência em vários campos da vida, seja quando ele diz que tem de metralhar a oposição ou quando ele diz que ela é feia demais para ser estuprada.
Esse governo não começou com a história de violência estrutural do Brasil, mas alimenta-a nas suas múltiplas dimensões (econômica, social, ambiental e política). E, nesses últimos três anos tanto novas feridas foram abertas como antigas ficaram mais insuportáveis. Pensar economia política é entender como o preço do pão, do combustível tem a ver com a política cotidiana, isto é, é resultado da interação de fatores como a decisão de atores políticos ligados às classes sociais individualistas, que hoje estão destruindo esse país para ficarem ricos, seja vendendo madeira, ganhando com as ações, enquanto, o povo come osso, cozinha com lenha e os indígenas são mortos.