Servidores esperavam proposta de reajuste na gestão petista — que, durante a campanha, fez acenos ao funcionalismo público
Diante de um cenário orçamentário restritivo em 2023 e ainda mais desafiador em 2024, o governo federal frustrou expectativas de servidores públicos federais no primeiro ano do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República.
A principal medida adotada pela gestão petista foi a reinstalação da Mesa Nacional de Negociação Permanente, que conta com a participação de membros do Executivo e de entidades do funcionalismo público. Hoje ligada ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, a estrutura foi criada em 2003, no primeiro ano do primeiro governo Lula, mas acabou paralisada durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo com esse espaço de negociação, servidores relatam diálogo pouco frutífero e veem promessas não cumpridas por parte do governo. Na sexta e última reunião da Mesa de Negociação do ano, realizada em 18 de dezembro, o governo se limitou a propor um aumento do auxílio-alimentação, do auxílio-saúde e do auxílio-creche.
O secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão, José Lopez Feijóo, destacou no encontro que a ministra Esther Dweck fez “enorme esforço” para conseguir espaço financeiro que permitisse a elaboração da proposta que foi apresentada, “apesar das restrições orçamentárias existentes”.
Decepção
Para o presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), Rudinei Marques, há uma decepção com o governo. “Foi uma reunião muito frustrante. Para que fazer seis reuniões para dizer que não vai ter nada de recomposição geral em 2024?”, questionou Rudinei em entrevista ao Metrópoles.
“Depois de tudo que a gente viveu nos últimos anos, havia a expectativa de garantir uma política salarial permanente, como a iniciativa privada tem uma política de correção do salário mínimo. Ninguém está aqui querendo extorquir o Estado”, completou.
Como o auxílio-alimentação não é extensivo a aposentados e pensionistas, houve até mesmo acusações de “etarismo” na proposta elaborada pelo governo. Hoje, há mais funcionários públicos inativos do que na ativa.
Rudinei lembrou que a pauta não remuneratória também não progrediu neste ano: “Nenhuma das duas pautas avançou até agora, foi muito frustrante”. Ele disse ainda que o déficit de pessoal é em torno de 90 mil servidores e que o Concurso Nacional Unificado (CNU), o “Enem dos Concursos”, dará apenas um pequeno alívio na carga de trabalho. “Contratar 8 mil (pessoas) não vai trazer tanta mudança”, frisou.
Em resposta às demandas do funcionalismo, a equipe econômica alega que um reajuste maior depende da aprovação, pelo Congresso Nacional, de medidas que assegurem aumento na arrecadação federal a partir do próximo ano. Como o recesso parlamentar se inicia em 23 de dezembro, o governo tenta aprovar o Orçamento, com estratégias nesse intuito, até os 45 minutos do segundo tempo.
O representante do Fonacate informou que a ministra da Gestão não tem recebido diretamente os servidores; a titular da pasta federal apenas delega essa responsabilidade a secretários. “Nessa questão do reajuste para 2024, ela poderia ter assumido uma postura diferente, ter levado esse pleito adiante. Seria fácil resolver se houvesse uma disposição política.”
Segundo Rudinei, o discurso de que não há espaço no orçamento é contornável. Ele cita a possibilidade de uso de reservas internacionais e remanejamento orçamentário, por exemplo.
Os servidores não chegaram a apresentar uma proposta, mas apontaram que, desde 2017 até agora, tirando o reajuste emergencial deste ano (veja detalhes abaixo), as perdas acumuladas passam de 30%.
“Deixamos para o governo a possibilidade de, inclusive, conceder reajustes plurianuais para compensar essa perda. Mas não houve vontade política de resolver isso, pelo menos até agora.”
Greves e paralisações
Os servidores garantem que vão continuar pressionando o governo e indicam que a frustração se deve também ao fato de que a gestão petista adota posição semelhante à da gestão bolsonarista, apesar da abertura de canais de diálogo.
“O diálogo é efetivo. Isso mudou completamente, porque, no governo anterior, nós não tínhamos espaço de discussão. Agora, são governos que se parecem, na medida em que nenhum dos dois tem uma política salarial para o funcionalismo. Essa é a verdade”, criticou Rudinei Marques.
Diversas categorias, entre Receita Federal e Polícia Federal (PF), têm ameaçado o governo com paralisações e greves em meio à dificuldade de negociação do reajuste salarial.
Há ameaças de movimentos grevistas maiores a partir de segunda quinzena de janeiro. “Isso sempre está no radar”, indicou o presidente do Fonacate. Ele citou o caso de 2012, com quase 360 mil servidores paralisados no auge da mobilização. Na época, pontuou Rudinei, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) teria agido “de modo intransigente” com o funcionalismo. “O governo tem que ficar esperto”, alertou.
Além de alegar falta de espaço orçamentário, a então presidente popularizou a expressão “sangue azul” para se referir à elite do funcionalismo, o que gerou grande indisposição de servidores em relação à petista.
Reajuste de 9%
No primeiro de governo, foi concedido, via medida provisória, um reajuste de 9% aos servidores do Executivo. Esse percentual precisou ser autorizado pelo Congresso, com recursos adicionais no Orçamento. A liberação ocorre a partir de 1º de maio, data em que é celebrado o Dia do Trabalhador, e foi uma das primeiras sinalizações dadas por Lula às categorias.
O auxílio-alimentação também aumentou em 43%, passando de R$ 458 para R$ 658 mensais.
Reforma administrativa
Se, por um lado, o governo não avançou em propostas robustas de reajuste, como esperado pelos servidores, por outro, não há do que se reclamar quando o assunto é reforma administrativa.
O presidente e seus ministros pouco tocaram no tema no primeiro ano de governo, e a defesa da matéria ficou restrita aos círculos frequentados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Para 2024, a expectativa é que não haja avanços significativos em termos de reforma nas carreiras e nas remunerações, tampouco no número de servidores, em função do calendário eleitoral e da pressão que o segmento exerce sobre políticos em anos eleitorais.
Reformas administrativas são vistas com maus olhos pelo funcionalismo, receoso com a perda de direitos.
Fonte: Metrópoles