Entre janeiro e junho de 2023, 62 mulheres foram assassinadas no estado
Durante todo mês de julho, diversas atividades foram realizadas no Paraná para conscientizar a população sobre a importância do combater às violências contra a mulher. As ações foram organizadas por diferentes setores desde pastas dos poderes públicos como a campanha “Paraná Unido no Combate ao Feminicídio”, proposta pela Secretaria da Mulher, Igualdade Racial e Pessoa Idosa, também por movimentos sociais e entidades da sociedade civil.
Os trabalhos buscaram chamar atenção para o Dia Estadual de Combate ao Feminicídio: 22 de julho. Instituído pela Lei 19.873, o dia almeja dar mais visibilidade e conscientizar sobre as violências motivadas pelo machismo e misoginia (aversão às mulheres), através de debates promovidos por movimentos sociais, coletivos, também por meio de ações organizadas pelos poderes públicos em seus diferentes níveis (local, estadual, nacional) e esferas (Legislativo, Judiciário).
A data foi estabelecida em memória a Tatiane Spitzner, morta, aos 29 anos, pelo marido Luís Felipe Manvailer, em 2018. O crime ocorreu no município de Guarapuava, região central do estado. Além disso, procurou evidenciar o aumento das violências de gênero no país e, principalmente, no estado. De acordo com dados do 17º Anuário de Segurança Pública, em 2022, o Brasil registrou 1.437 crimes de feminicídio. O número demonstra aumento de 6,1% em relação a 2021, quando foram contabilizadas 1.347 ocorrências.
As tentativas de feminicídio também aumentaram 16,9% no último ano. A maioria das vítimas tem entre 18 e 44 anos (71,9%) e são mulheres negras (61,1%). A maior parte dos crimes são cometidos por parceiros (53,6%) seguido de ex-companheiros (19,4%). Outro dado alarmante é que sete em cada dez mulheres foram assassinadas dentro de casa.
Paraná ocupa terceiro lugar em ranking de feminicídios
Ainda, segundo acordo com o Anuário, o Paraná registrou 77 feminicídios em 2022. No ano anterior, foram 75 casos, representando aumento de 1,9%. Já levantamento do Lesfem (Laboratório de Estudos de Feminicídio), iniciativa desenvolvida pela UEL (Universidade Estadual de Londrina), UFU (Universidade Federal de Uberlândia), UFBA (Universidade Federal da Bahia), Coletivo Feminino Plural e Secretaria Municipal de Políticas para Mulheres de Londrina, contabilizou 62 feminicídios entre janeiro e junho deste ano no Paraná.
O número coloca o estado em terceiro lugar com maior incidência de casos, considerando feminicídios tentados e consumados nos seis primeiros meses de 2023, ficando atrás somente de São Paulo, que contabilizou 122 feminicídios, e Minas Gerais, com 90 ocorrências.
No mesmo período, o Brasil registrou 862 feminicídios. Destes, 599 foram consumados e 263 tentados. A média nacional foi de três assassinatos de mulheres por dia. A maioria das vítimas tinham entre 25 e 36 anos. Também com base no estudo, o agressor mais recorrente são companheiros ou ex-companheiros.
Flávia Carvalhaes, professora do departamento de Psicologia da UEL e membra do Néias – Observatório de Feminicídios de Londrina, conta que entre 2021 e o primeiro semestre de 2023, o coletivo acompanhou 37 casos de feminicídios tentados ou consumados na cidade. Para ela, o crescimento da violência em esfera local, estadual e nacional tem, entre suas motivações, a ascensão de discursos de ódio cuja uma das principais bandeiras é o cerceamento de discussões sobre igualdade de gênero e diversidade sexual.
“Estes dados nos fazem pensar sobre os efeitos, por exemplo, dos discursos conservadores que, nos últimos anos, vem ganhando maior visibilidade e circularidade no país. Discursos que legitimam lógicas racistas, sexistas, homofóbicas. Discursos que criminalizam debate sobre gênero nas escolas a partir de uma série de informações equivocadas. A ação dos grupos conservadores, na minha visão, tem contribuído para o acirramento da violência contra as mulheres no país, para intensificação de lógicas machistas e para que alguns homens se sintam autorizados a cometer atos de violência contra estas mulheres, a cometer tentativas de assassinato ou assassinato destas mulheres por considerarem estas como propriedade privada deles”, avalia.
Fundado em 2021, o Néias, surgiu com as finalidades de dar visibilidade e acompanhar o julgamento do feminicídio cometido pelo marido de Néia, Cidneia Aparecida Mariano da Costa em Londrina. Néia, de 33 anos, mãe de um jovem e de três meninas, sobreviveu à agressão, mas ficou com graves sequelas neurológicas e com danos motores e cognitivos, vindo a falecer em junho de 2021.
Desde então, o Néias tem acompanhado não apenas o caso da mulher que dá nome ao Observatório, mas de outras vítimas, através de informativos dos julgamentos, análises das sessões de júri e notícias sobre os casos.
“Nosso objetivo é produzir outras narrativas sobre estes crimes porque geralmente estas mulheres tanto pelo poder Judiciário como pela imprensa são revitimizadas, sendo que os crimes cometidos contra elas, muitas vezes, são interpretadas por estas instâncias e parte da sociedade a partir de uma perspectiva moral, patologizante, como se elas fossem de algum modo responsáveis por terem levado os seus companheiros a cometerem algum ato de violência. Temos acompanhado estes julgamentos e produzido conteúdos críticos, localizados, questionando determinadas leituras. O Néias vem tentando construir nesta cidade, uma imprensa e um poder Judiciário que reflete criticamente sobre suas ações e encaminhamentos”, observa Flávia.
Importância do enfrentamento
A docente salienta que a necessidade de mais investimentos para políticas públicas voltadas ao combate às violências contra a mulher. Para ela, as iniciativas devem ser implementadas de maneira intersecional, ou seja, integrando serviços de acolhimento às vítimas, capacitação dos agentes que atuam na segurança pública, ampliação das discussões de gênero nas escolas.
“Acho fundamental que a rede de enfrentamento contra a mulher seja fortalecida nesta cidade. Ela já é uma rede atuante que vem se articulando que precisa de maior incentivo financeiro, aumento de recursos humanos, de condições materiais para que o serviço de atendimento à mulher possa desenvolver ações nas comunidades. Acredito também que a gente precisa fortalecer o debate sobre as questões de gênero e desigualdades entre homens e mulheres nas escolas. É urgente que o debate sobre gênero seja pautado em sala de aula para que as crianças e adolescentes em um processo formativo possam compreender como as noções de feminilidade e masculinidade do modo são apresentadas muitas vezes contribuem para as práticas de violência e fortalecimento do machismo estrutural no país”, diz.
Outra urgência é acelerar o julgamento dos casos. “É fundamental também a construção de uma política de segurança pública neste país que seja ágil, critica, que realize investigação dos casos com eficiência e que desenvolva ações nos territórios que garantam maior proteção às mulheres. Ainda, nesta conjuntura, destaco que a gente possa ter um poder Judiciário, neste país, que julgue os casos com maior agilidade”, acrescenta.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.