Na manhã desta quarta-feira (13), estudantes e professores da UEL (Universidade Estadual de Londrina) realizaram “Ato contra o feminicídio: em memória de Júlia e Daniel”. A mobilização acontece após ataque feminicida, registrado no domingo (3) no jardim Jamaica, zona oeste da cidade.
O atentado deixou duas vítimas fatais: a estudante de Ciências Sociais, Júlia Beatriz Garbossi e o jovem Daniel Suzuki. A terceira vítima, uma estudante de Artes Cênicas, ficou gravemente ferida.
A ação é organizada por docentes e estudantes do CLCH (Centro de Letras e Ciências Humanas) e CECA (Centro de Educação, Comunicação e Artes), também conta com membros da Comissão de Prevenção à Violência Sexual, de Gênero e Étnico-racial do CLCH, da Comissão de Prevenção à Violência Sexual e de Gênero do CECA – a Juntes e do SEBEC (Serviço de Bem-Estar à Comunidade).
Os manifestantes se reuniram no CECA, a partir das 9h, para confecção de cartazes. O microfone ficou aberto para pronunciamentos e intervenções artísticas. Além de prestar solidariedade aos familiares e amigos das vítimas, as falas chamaram atenção para a necessidade de ações, dentro e fora do espaço universitário, que combatam todas as formas de violência contra populações historicamente marginalizadas como mulheres, comunidade LGBTQIA+, negros, indígenas, pessoas com deficiência.
Para Maria Júlia Mazzaro, estudante do 3º ano de Ciências Sociais, a principal finalidade do ato é demonstrar a revolta face a mais esta violência. A aluna acrescenta a sensação de insegurança constante.
“Acima de qualquer sentimento, de qualquer tristeza que tenha entre nós, o sentimento maior é de revolta, porque uma de nós, de apenas 23 anos, foi morta dentro de sua casa. Ela [Júlia] não estava segura nem dentro da sua própria casa e isso nos revolta, nos deixa angustiadas e com muito medo da próxima ser uma de nós. Ela era uma mulher que estudava na UEL, no curso de Ciências Sociais, com 23 anos. Eu sou uma mulher de 23 anos que cursa Ciências Sociais e estou no terceiro ano. Amigas minhas, da minha sala, estão nesse mesmo papel, o que impede da próxima ser uma de nós?”, questiona.
Ela destaca a importância de que o feminicídio seja debatido como um problema macroestrutural e que, portanto, precisa do envolvimento de todos os setores da sociedade contra a violência. “Acontece todas os dias, fazendo estatísticas e mais estatísticas de mulheres, corpos violados. Precisamos tratá-lo com seriedade, não adianta fechar os olhos e fingir que não vai acontecer perto de nós, que é algo distante ou que é maior do que podemos fazer. De pouquinho em pouquinho, vamos conseguir combater esta violência e é através disso, gritando, indo para ruas, fazendo marcha, reivindicando, combatendo agressores, assediadores, denunciando”, pontua.
De acordo com dados do 17º Anuário de Segurança Pública divulgado em julho, todas as formas de violência contra a mulher aumentaram no país. Em 2022, uma mulher foi morta a cada seis horas pelo fato de ser mulher, chegando a pelo menos 1,4 mil mulheres assassinadas. O documento salienta a subnotificação dos casos. Ainda assim, o índice é o maior registrado desde que a Lei do Feminicídio (Lei nº 13.104) entrou em vigor em 2015.
Ângela Maria de Sousa Lima, docente do departamento de Ciências Sociais e diretora do SEBEC (Serviço de Bem-Estar à Comunidade) também compartilha a indignação e reforça a necessidade de que os serviços de acolhimento e denúncia sejam ampliados.
Criado em 1970, o SEBEC tem o propósito de desenvolver ações de assistência ao corpo discente e trabalhadores da Instituição. Atualmente, o órgão tem ofertado atividades preventivas e de atenção à saúde mental a partir de lives, rodas de conversa, palestras. Também promove seleções socioeconômicas como isenção da taxa do vestibular, preenchimento das vagas da moradia estudantil, subsídio ampliado para o Restaurante Universitário, entre outros programas.
Para a professora o ato relembra a “obrigação” da Universidade em promover políticas focalizadas no respeito aos direitos humanos, garantindo, sobretudo, a inclusão e assistência de grupos subalternizados.
“Este ato também nos leva a pensar enquanto universidade pública, o nosso papel institucional, pedagógico de enfrentamento e intensificação de uma nova cultura que seja, realmente, centrada nos direitos humanos com materialidade de serviços de acompanhamento das denúncias, o que é uma obrigação”, adverte.
Após concentração no CECA, os manifestantes saíram em cortejo pelo Calçadão até o Restaurante Universitário.
Comunidade cobra política institucional
Mazzaro conta que desde o ataque o departamento de Ciências Sociais tem acolhido os alunos através de rodas de conversa e organização de atos como o de hoje. Porém, ela lamenta que as discussões só tenham alcançado maior visibilidade após os crimes.
“Tivemos que esperar uma de nós virar estatística do feminicídio, a gente teve de perder uma de nós, para daí ser ativamente falado e protestado contra isso. Nós sentimos muita falta de pautas assim durante todo o semestre na nossa Universidade, não só no CLCH, mas na UEL como um todo, partindo da Reitoria, dos outros centros porque é sempre assim, nós temos, infelizmente, este costume de esperar a tragédia acontecer para daí falarmos, nos demais períodos tratamos como tabu e não é falado e muitas Júlias vão sofrendo tal violência”, disse.
Professores e estudantes reivindicaram a instauração de uma política institucional de combate e prevenção às violências de gênero. Hoje, este trabalho tem sido desenvolvido, principalmente, pelas Comissões, que além de contar com poucas pessoas, ficam extremamente vulneráveis sem o amparo de protocolos.
Reginaldo Moreira, docente do departamento de Comunicação e integrante da Juntes, considera o protesto um marco fundamental para evidenciar a pauta.
“Luta no luto ou o luto na luta porque não dá mais para tolerar atos machistas, feminicidas, misóginos, de violência de gênero como este que aconteceu. É importante marcarmos dentro da Instituição, a necessidade de uma política institucional que olhe para as questões de assédio, feminicídio, de gênero de uma maneira mais ampla e efetiva. Para que a gente possa combater estas violências sem gerar personificações a estudantes, professores e funcionários que estejam ao lado de vítimas. Uma política institucional é fundamental neste momento para que a possa combater crimes como este”, salienta.
Segurança no campus também é demanda
De acordo com Mazzaro, a segurança no campus também é uma demanda que precisa ser atendida. Juntamente a melhorias na infraestrutura como serviços de iluminação em todas as regiões, ela reforça a urgência da instauração de canais de denúncia e acolhimento de vítimas das múltiplas violências de gênero. A estudante ressalta a extrema burocratização dos órgãos responsáveis por receber as queixas, o que acaba desmotivando as denúncias.
“Infelizmente, nós não nos sentimos seguros na UEL, principalmente, nós estudantes da noite. A UEL tem muitas falhas de segurança tanto de monitoramento, como câmeras que não funcionam, falta de iluminação e a burocracia do estado em si, não só da Universidade, dificulta muito a denúncia, para termos voz diante das queixas e reclamações tanto de assédio, abuso, importunação sexual. A burocracia dos órgãos responsáveis por isso acaba travando um pouco a nossa luta, desanimando muitas vítimas de correr atrás e ficar revivendo o trauma”, assinala.
Para a graduanda, a dificuldade de acesso aos serviços de acolhimento não é uma condição a ser enfrentada apenas no ambiente acadêmico, mas na sociedade amplamente. “Não é algo que se restringe a UEL, mas dentro da Universidade, sentimos que precisamos de ações mais eficazes no sentido da segurança, para que a gente se sinta mais ouvida e protegida”, observa.
O pedido de mais segurança e apoio também foi trazido por cartas escritas por membros da comunidade acadêmica e entregues à Reitoria, representada pela pró-reitora de Pesquisa e Pós-Graduação, Silvia Meletti. A reitora da UEL, Marta Favaro, não pode comparecer ao ato devido o cumprimento de agenda institucional em Curitiba.
Um ofício elaborado pelas Comissões também foi encaminhado à administração da UEL solicitando o estabelecimento de uma política institucional de enfrentamento ao assédio e demais opressões de gênero.
Novo encontro no CLCH
A partir das 17h30, os manifestantes voltam a se reunir em frente ao Restaurante Universitário. Na sequência, a partir das 18h30 caminham em direção ao gramado do CLCH, onde estão previstas falas de integrantes do movimento estudantil, da Comissão de Prevenção à Violência Sexual, de Gênero e Étnico-racial do CLCH, da Juntes – CECA e do SEBEC.
O ato não é restrito à comunidade acadêmica. Toda população é convidada a comparecer.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.