O resultado da consulta ainda não foi homologado e Ratinho Júnior já anunciou a adesão de mais escolas
Em Londrina, das 13 escolas estaduais escolhidas para consulta pública, responsável por estabelecer a conversão para o modelo cívico-militar, 11 aderiram ao programa. Os únicos contrários à mudança foram o Colégio Professora Lúcia Barros Lisboa e Escola Estadual Rina Maria de Jesus Francovig (acompanhe lista completa abaixo).
A votação foi realizada nesta terça e quarta-feira (dias 28 e 29 de novembro). Em todo Paraná, mais 127 escolas foram selecionadas para a mudança que consiste na administração compartilhada entre civis e militares. Destas 82 disseram sim ao processo de militarização e 44 rejeitaram, de acordo com informações divulgadas pela SEED (Secretaria Estadual de Educação).
Levantamento da APP-Sindicato (Sindicato dos Professores e Funcionários de escola do Paraná) indica um sinal de enfraquecimento da proposta, já que em consulta anterior, realizada em 2020, 88% das escolas indicadas aprovaram a militarização. Em 2023, o índice recuou para 65%.
Márcio André Ribeiro, professor da rede estadual de ensino e presidente da APP-Sindicato Londrina, conta que na medida do possível, visto a grade de aulas, representantes do coletivo acompanharam a votação e verificaram uma grande movimentação. De acordo com ele, a participação significativa teve como principais impulsionadores, os posicionamentos do Núcleo Regional de Educação (NRE) e de diretores, que favoráveis ao programa cívico-militar, incentivaram a comunidade escolar a comparecer.
“Duas escolas rejeitaram o projeto cívico-militar, uma invencionice deste governo, uma escola que não é cívica, mas também não é militar, não é um colégio militar, embora, a propaganda que governo faz é que se tornará uma escola militar, o que não é verdade. Resultado esperado porque o NRE atuou de forma estrategicamente muito pesada, utilizou absolutamente todos os recursos que a máquina governamental possui para fazer campanha pelo ‘sim’, usando todas as mídias sociais do NRE, das escolas em questão”, observa.
“As diretorias, não são todas que apoiaram, mas as que apoiaram usaram as ferramentas da escola, grupos de pais e mães, fazendo essa campanha muito pesada dentro das redes sociais desde semana passada. E a gente não tem essa capacidade de contato com a comunidade, foram 13 escolas ao mesmo tempo na cidade de Londrina, 19 na região, não temos pessoal suficiente para fazer todo este enfrentamento. E o governo sabia disso e a estratégia dele foi justamente esta, não teríamos a capacidade de fazer o contraponto, a contra argumentação, de visitar as escolas na mesma proporção que eles teriam. O resultado é lamentável, mas de certa forma esperado dado o tamanho da máquina governamental”, complementa a liderança.
O docente compartilha que havia a expectativa de pelo menos mais quatro escolas rechaçassem o modelo. Ainda, segundo ele, além da mobilização do NRE e direções, o placar tem entre suas razões, a polarização da sociedade brasileira de maneira mais ampla. “Nós entendemos que o cenário que levou a este resultado, ainda tem muita relação, infelizmente, com o último processo eleitoral de disputa de presidência da República, por exemplo, pois este projeto, invenção de escola cívico-militar foi uma invenção do presidente anterior que utilizou um factoide, tenta trazer a falsa sensação para a sociedade de que a presença quatro, cinco, seis policiais militares ou bombeiros aposentados dentro da instituição por si só e apenas só irá trazer mais segurança para escola, mais disciplina, respeito, organização”, avalia.
Em julho deste ano, o governo federal publicou decreto que revoga o PECIM (Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares), criado em 2019, sob a gestão de Jair Bolsonaro (PL). Com a medida, a decisão da manutenção das escolas cívico-militares ficou a cargo dos governadores. Caso optem por manter o modelo, os custos devem ser arcados por recursos dos próprios estados.
“Palavras que não concordamos, mas que ouvimos de pais é que eles esperam que coloquem os ‘filhos deles na linha’. O governo criou uma fantasia e parte da sociedade comprou essa ideia de que esse modelo que não vai resolver absolutamente nada resolveria estas questões e os filhos teriam uma educação de melhor qualidade. Isto está muito atrelado, infelizmente, com as características da sociedade de Londrina, que é extremamente conservadora, com algumas ideias equivocadas sobre o que é educação de fato”, evidencia.
Conforme demonstrou o Portal Verdade, o coletivo se posicionou contra a militarização sob as justificativas de que é um projeto inconstitucional e que não contribui para a melhoria da educação pública. Além disso, durante as duas semanas que separaram a publicação do edital pela SEED e a consulta, representantes da APP-Sindicato visitaram as escolas para debater com as comunidades os impactos do modelo cívico-militar. Porém, em alguns casos como no Colégio Hugo Simas, Colégio Estadual Padre Wistremundo Roberto Perez Garcia e Colégio Estadual Dr. Lauro Portugal Tavares (Rolândia) foram impedidos (saiba mais aqui).
De acordo com a entidade, a tentativa de cerceamento da atividade sindical, garantida pelo Artigo 8º da Constituição Federal, foi orientada pelo Núcleo Regional de Educação de Londrina. A APP-Sindicato apresentou denúncia ao Ministério Público do Trabalho (MPT). Em resolução publicada na última segunda-feira (27), véspera da votação, o MPT reconheceu que o governo do Paraná tem adotado condutas antissindicais e emitiu recomendação ao poder Executivo para que se abstenha de coagir trabalhadores, impedindo a atuação do Sindicato.
Estudantes são impedidos de votar
Ainda, segundo Ribeiro, além da falta de diálogo, a consulta foi marcada por diversos problemas, sendo o mais grave, as dificuldades criadas para que os estudantes não participassem do pleito. “Vários alunos de 16 anos ou mais que tinham direito a votar não conseguiram, pois só permitiam o horário do intervalo para os alunos votarem, não deixavam nenhum minuto a mais, e se quisessem teriam que voltar no contraturno para votar, o que dificulta bastante, então, criou-se várias dificuldades e muitos alunos ficaram sem votar”, salienta.
Um dos casos se refere à falta de acesso dos estudantes da EJA (Educação de Jovens e Adultos) de Tamarana, que estão matriculados no Colégio Estadual Professora Rina Maria de Jesus Francovig, à urna de votação.
Com base em edital, poderiam participar da consulta professores, funcionários e pais de alunos matriculados nas instituições. Estudantes maiores de 16 anos também teriam direito a voto.
O professor acrescenta que a APP-Sindicato está averiguando os casos e irá recorrer ao Ministério Público já que a impossibilidade de participação dos estudantes colocaria em risco todo processo pelo caráter antidemocrático. A expectativa é que nas situações em que ficar comprovado o cerceamento ao direito de voto dos alunos, o resultado seja anulado.
“Em Curitiba, os nossos advogados também já estão entrando com recursos e nós temos o relato de vários alunos que não conseguiram votar, que não permitiram que eles votassem, o que prejudicou completamente e inviabilizou a consulta. Nós vamos levar isso ao Ministério Público, Justiça do Trabalho, Procuradoria porque afinal de contas os direitos das crianças e adolescentes não foram respeitados, então, a Procuradoria tem que tomar parte deste processo, não pode se eximir de suas responsabilidades. Essas provas, vamos levar a Justiça e vamos aguardar, assim como o Tribunal de Justiça de São Paulo deu voto pela inconstitucionalidade desse projeto e acabou com ele São Paulo, da mesma forma no Rio Grande do Sul há pouco mais de dois meses, temos a expectativa que o Paraná deva seguir o mesmo caminho”, ressalta.
Deputados da bancada de oposição da Assembleia Legislativa do Paraná pediram uma liminar e o Tribunal de Justiça do Paraná informou que aguarda decisão do Supremo Tribunal Federal. A divulgação oficial das escolas que aprovaram a adesão será feita após a publicação do resultado em Diário Oficial.
As escolas cívico-militares foram instituídas no Paraná em 2020. Atualmente, são 194 colégios nesta modalidade e 12 do modelo do programa nacional que serão incorporadas pelo pela gestão Ratinho Júnior (PSD) em 2024. Com as novas unidades, o estado chega a 288 colégios cívico-militares.
Mais escolas
A oficialização do resultado da última consulta ainda nem aconteceu e o governo Ratinho Júnior já pretende incluir mais 25 escolas no programa, conforme divulgado pela APP-Sindicato nesta sexta-feira (1º). O Núcleo Regional de Londrina é o mais afetado com quatro novas unidades, a saber: Escola João Rodrigues da Silva, Colégio Estadual Newton Guimarães, Escola Estadual Professor Lauro Gomes da Veiga Pessoa e Colégio Estadual Barão do Rio Branco.
Acompanhe mais informações sobre o resultado da consulta pública realizada entre os dias 28 e 29 de novembro em Londrina:
Colégio Estadual Carlos de Almeida: Sim
Colégio Estadual Célia Moraes de Oliveira: Sim
Colégio Estadual Professor Doutor Heber Soares Vargas: Sim
Colégio Estadual Hugo Simas: Sim
Escola Estadual Humberto Puiggari Coutinho: Sim
Colégio Estadual Lucia Barros Lisboa: Não
Colégio Estadual Professora Margarida de Barros Lisboa: Sim
Colégio Estadual Nilo Peçanha: Sim
Colégio Estadual Olympia Morais Tormenta: Sim
Colégio Estadual Patrimônio Regina: Sim
Colégio Estadual Professora Rina Maria de Jesus Francovig: Não
Colégio Estadual Thiago Terra: Sim
Colégio Estadual Padre Wistremundo Roberto Perez Garcia: Sim
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.