Evento busca debater promover um momento de lazer mediante intensificação da violência policial
Neste domingo (30), a partir das 14h, na praça da Favela Bratac (Rua Nossa Senhora do Socorro, nº 76) acontece a Batalha da Paz. O evento será em memória de Kelvin dos Santos e Wender da Costa, jovens executados durante uma operação da Polícia Militar na região, no último dia 15 de fevereiro.
A atividade é organizada pelo Circuito Londrinense de Batalhas de Rima, os coletivos Batalha da Leste, Justiça por Almas, Ciranda da Paz, Movimento Autônomo Popular, o Centro de Direitos Humanos de Londrina e o projeto de extensão Práxis Itinerante.
Ligia Braga, arte educadora, produtora cultural, estudante de Psicologia na UEL (Universidade Estadual de Londrina) pontua que a principal motivação para promover o encontro é possibilitar um momento de lazer face aos episódios frequentes de repressão policial, responsáveis por aumentar a insegurança dos moradores.
“Essa batalha está sendo realizada com o objetivo de fomentar a arte, a cultura, criar momentos bons naquele bairro, que não sejam baseados na violência do estado, na insegurança e no medo. A violência continua, as famílias continuam desamparadas e violentadas pelo estado assim como as demais pessoas que moram na comunidade”, diz.
Ainda, de acordo com Ligia, também conhecida como MC Cleópatra, o evento tem a finalidade de provocar reflexões sobre a história do bairro, a incidência da violência policial que atinge, sobretudo, a juventude negra, e debater estratégias para garantir o acesso a direitos como saúde, educação, trabalho, entre outros.
“Poder trazer momentos de reflexão sobre essas mortes, sobre aquele bairro, aquelas famílias, o que essas pessoas estão passando depois destes assassinatos covardemente cometidos pela Polícia Militar. As expectativas é que seja um dia muito bonito para as famílias e toda a comunidade. Estamos com diversas atrações culturais, de entretenimento, de brincadeiras para as crianças, de reflexão sobre os direitos das juventudes, debate sobre o ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente], saúde pública e comunitária”, indica.
Além da batalha de rima, estão planejadas uma série de atividades culturais que celebram a diversidade e a resistência, a exemplo do muralismo, movimento artístico que consiste na pintura de paredes e painéis permanentes.

Tentaram silenciar as batalhas
Ligia avalia que as batalhas de rima, enquanto vertente da cultura hip hop, foram historicamente marginalizadas e recriminadas pelo estado. Para ela, entre os fatores para a estigmatização, estão as denúncias que o movimento tece em relação ao próprio estado.
“Por ser uma cultura que historicamente é criada para denunciar, para dar voz e força para pessoas que são negligenciadas e violentadas pelo estado, é o tipo de cultura que o estado brasileiro tentou calar desde o seu início”, observa.
Conforme informado pelo Portal Verdade, em Londrina, as batalhas de rima já foram alvo de ações das forças de segurança pública como Guarda Municipal e ROTAM (relembre aqui).
Expressão da cultura hip-hop, as batalhas são duelos de MC’s onde acontecem rimas improvisadas sobre os mais diversos assuntos. O gênero conquistou maior projeção a partir da década de 1970, nos Estados Unidos. Desde então, tem sido difundido por diversas partes do mundo. Aliando música, dança, moda, grafite, entre outras expressões, a manifestação artística tem desempenhado papel preponderante para denúncia das múltiplas desigualdades sociais como o racismo.
No Brasil, o movimento se popularizou a partir da década de 1980. As batalhas de rima acontecem, muitas das vezes, em praças das periferias, onde um grupo de jovens se reúne para duelar. São encontros que revelam formas de sociabilidade e resistência.

Mas as vozes se amplificaram
Em 2023, as batalhas de rima foram reconhecidas como patrimônio cultural do Paraná. O projeto de autoria da deputada estadual Ana Júlia Ribeiro (PT) busca valorizar a expressão artística, facilitar a realização das batalhas e garantir formas de financiamento.
Já em 2024, em um mais um momento histórico, o Cine Teatro Ouro Verde, um dos espaços mais tradicionais do cenário cultural londrinense foi ocupado pela Batalha Coroa de Ouro, que reuniu MCs de todas as regiões da cidade.
Para Ligia, a articulação entre as batalhas e apoio de entidades como o Centro de Direitos Humanos e Centro Juvenil Vocacional têm sido fundamentais para enfrentar a repressão.
“Estamos nos preparando muito para que estejamos amparados não só pelo próprio movimento, mas também apoiadores que realmente acreditam no poder transformador da cultura hip hop”, assinala.
“Quero convidar todo mundo que se interessa pela cultura hip-hop, que se sensibilizou de alguma forma com os assassinatos de Kelvin e Wender, todo mundo que de alguma forma questiona as ações da Polícia Militar na cidade de Londrina, que entende a importância deste movimentação acontecer neste bairro extremamente criminalizado e negligenciado pelo estado, todo mundo que de alguma forma entende a necessidade de construirmos juntos arte e cultura acessível para todos que compareça, serão muito bem recebidos”, compartilha.

Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.