Componente curricular será substituído por “Pensamento Computacional”, sem legitimidade científica
No fim do ano letivo de 2022, o governo Ratinho Júnior (PSD) anunciou mais um ataque à educação pública no Paraná. Agora, documento enviado às equipes das escolas estaduais, anuncia a extinção das aulas de Arte para estudantes dos 8º e 9º ano do ensino fundamental. O componente curricular será substituído por uma nova disciplina nomeada “Pensamento Computacional”. A intenção é que a mudança na grade curricular já comece a vigorar a partir de 2023.
Outra modificação é a inclusão de matéria complementar “Redação e Leitura”. De acordo com a resolução, apenas escolas diversificadas, integrais e cívico-militar – aproximadamente 10% da rede pública – continuarão a ofertar a disciplina de Arte nos anos finais do ensino fundamental. A decisão tem despertado críticas de professores da área, estudantes e demais membros da comunidade escolar.
Rogério Nunes da Silva, professor e secretário de assuntos jurídicos do Sindicato dos Trabalhadores de Educação Pública do Paraná (APP-Sindicato) – Núcleo Londrina, pontua que a entidade avalia com muita preocupação e contrariedade a normativa. Ele destaca que, a exemplo de outras projetos que visam a terceirização do patrimônio público (recentemente, o governo do Paraná aprovou a venda da Companhia Paranaense de Energia/Copel e a possibilidade de que a administração dos hospitais universitários seja concedida para iniciativa privada no estado, conforme demonstrou o Portal Verdade. Relembre aqui) desta vez também não ocorreu ampla discussão com todos os segmentos afetados pela medida.
“Novamente o governo Ratinho Júnior faz uma mudança na educação pública paranaense no apagar das luzes, no final do ano letivo. Se dá de forma antidemocrática, sem a participação das escolas, sem diálogo com estudantes, professores, especialistas da área. Infelizmente, esta tem sido a tônica da política educacional do governo Ratinho Júnior”, afirma.
O docente ressalta duas consequências da mudança. Primeiramente, o professorado enfrentará o desemprego com a retirada da disciplina da grade curricular, ofensiva já realizada em anos anteriores. “A redução da carga horária de Arte terá um impacto grande para os docentes. Primeiro, é importante ressaltar que está não é uma medida isolada. Nos últimos dois anos com a efetivação da reforma do ensino médio que valoriza componentes curriculares sem nenhuma tradição científica como Projeto de Vida, está sendo feito um conjunto de medidas que segue a mesma linha. A disciplina de Arte já teve seu espaço reduzido em 2020, novamente em 2021 no ensino médio e agora nos anos finais do ensino fundamental”, observa.
Na avaliação da liderança, a exclusão e enfraquecimento das Humanidades, área a qual a disciplina Arte faz parte, ao mesmo tempo em que componentes curriculares sem legitimidade científica são agregados aos currículos representa a escolha de um modelo de educação de perspectiva “empresarial”, “tecnocrática” e, portanto, esvaziado do estímulo a um pensamento crítico e emancipatório.
“A disciplina de Arte vai ser substituída por um componente curricular sem nenhuma tradição científica que é Pensamento Computacional, que já havia sido colocada no ensino médio no lugar das aulas de Sociologia. Ganham espaço no currículo, componentes que traduzem uma concepção pedagógica neoliberal e vinculada aos interesses das grandes corporações”, alerta.
Silva indica também que além do prejuízo na formação humanística, os alunos da rede pública de ensino terão seu acesso a estes conhecimentos cerceados, porém processos seletivos de larga escala como vestibulares e Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) não deixarão de exigi-los, ampliando, assim, as desigualdades socioeducacionais.
De acordo com ele, a mudança realizada no final do ano escolar e sem debate, possui como intenção dificultar a mobilização da comunidade escolar. “Fazendo um paralelo com a proposta de privatização das escolas, geralmente, quando a comunidade escolar tem a possibilidade de debater e participar, ela toma conhecimento do que deseja que é o fortalecimento da educação pública”, assinala.
Entretanto, Silva conta que, embora os colégios estejam em recesso, a APP-Sindicato está avaliando quais medidas jurídicas tomar. Além disso, manifestações estão sendo realizadas nas redes sociais a fim de chamar atenção e demarcar o rechaço à iniciativa, a exemplo do tuitaço “FicaArtePR”, realizado na última semana, assim que a Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED) anunciou a reformulação curricular.
A expectativa é que com a retomada das aulas, no início de 2023, os protestos sejam organizados também nas escolas. Para apoiar as campanhas no ambiente virtual, acompanhe a página no Instagram da APP-Sindicato, disponível aqui.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.