Em 2020, 93,3% dos 1,3 milhão de crianças e adolescentes com deficiência na educação básica estavam matriculados em escolas regulares
2023 começou com novos ventos para o Brasil. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reassumiu a Presidência da República, 20 anos depois, para seu terceiro mandato. Ao seu lado, Geraldo Alckmin (PSB), com larga experiência no governo paulista. Lula volta à liderança após prisão política que o impediu de disputar as eleições de 2018 e com o desafio de reconstruir o país após o pleito mais acirrado já visto na sociedade brasileira.
Desde que o petista subiu a rampa do Palácio do Planalto uma série de novas medidas já foram anunciadas, a maioria para revogar ações tomadas por Jair Bolsonaro (PL), governo marcado por retrocessos diversos como desmonte de direitos e serviços públicos, aumento da pobreza, fome, cerceamento à liberdade de imprensa, escalada da violência política, naturalização de discursos de ódio e negacionismos.
Entre as primeiras iniciativas realizadas pela nova gestão está a suspensão do Decreto 10.502, criado em 2020, responsável por segregar estudantes com deficiência dos espaços educacionais. Mais conhecido como “Lei da Exclusão”, o dispositivo estabelecia nova Política Nacional de Educação Especial. Com ela, crianças com quaisquer tipos de deficiência deveriam ir para escolas específicas, ameaçando os princípios da educação inclusiva e igualitária.
A justificativa para a proposição alegada pela gestão de Bolsonaro foi que pessoas com deficiência “não se beneficiariam” da educação regular. À época, especialistas chamaram atenção para o teor discriminatório e inconstitucional da legislação que fere preceitos da universalidade e inclusão no acesso à educação, garantidos pela Constituição Federal de 1988 e Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996. A crítica foi ratificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou a nulidade da determinação.
Naiara Sussai é advogada e mãe de uma menina de sete anos com transtorno do espectro autista. Ela comemorou a reversão, pois considera que a separação de estudantes com deficiência das salas de aula regulares, retirando da convivência com os demais contribui para a reprodução do preconceito.
“Colocar as pessoas com deficiência à margem da sociedade, retirá-los da socialização e espaços só reforça a falta de conhecimento não só das dificuldades enfrentadas por elas, mas também das potencialidades que possuem. Isto compromete a inclusão de maneira efetiva. Só avançaremos na construção de uma sociedade mais justa quando debatermos políticas e garantirmos direitos para este segmento da população que não é pequeno”, avalia.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 17,2 milhões de pessoas com alguma deficiência no país. O número representa 8,4% da população. Aproximadamente 70% desse público com 18 anos ou mais não têm instrução ou completaram o ensino fundamental. Ainda, de acordo com informações do Censo Escolar, em 2020, 93,3% dos 1,3 milhão de crianças e adolescentes com deficiência na educação básica estavam matriculados em escolas regulares. Em 2005, eram apenas 23%.
Além da naturalização de discursos vitimistas e negligencia ao protagonismo, Sussai ressalta que a segregação em escolas diferentes, também prejudica os estudantes sem deficiência, visto que impede o contato com a diversidade, caracteristica fundamental da humanidade. “Também para os alunos sem deficiência, professores, demais profissionais é maléfico. Como estimular o reconhecimento e ter respeito sem conhecer?”, questiona.
A revogação foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU) desta segunda-feira (2), com as assinaturas do presidente e dos ministros da Educação, Camilo Santana, e dos Direitos Humanos, Silvio Almeida.
Franciele Rodrigues
Jornalista e cientista social. Atualmente, é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Tem desenvolvido pesquisas sobre gênero, religião e pensamento decolonial. É uma das criadoras do "O que elas pensam?", um podcast sobre política na perspectiva de mulheres.