Processo de rescisão ainda não foi concluído. Após disparos ilegais, empresa ainda recebeu R$ 479 mil em pagamentos da Celepar
Oito meses após o episódio do disparo em massa de mensagens antidemocráticas por canais oficiais do governo do Paraná, a Celepar, empresa de tecnologia do estado, ainda define como vigente o contrato com a Algar Soluções em TIC S/A, empresa responsabilizada pelo conteúdo falho que chegou a 324.818 números de celulares diferentes no andamento das eleições do ano passado. A companhia disse, no entanto, que um processo de rescisão contratual iniciado em 12 de dezembro de 2022 está em fase de conclusão. O trâmite corre sob sigilo e não é possível saber, portanto, se a prestação de serviço está em execução ou foi suspensa.
A informação foi repassada ao Plural por meio da Lei de Acesso à Informação. Institucionalmente, a Celepar não respondeu aos questionamentos feitos pela reportagem.
Apesar do posicionamento da companhia, o contrato firmado entre a estatal e a Algar Soluções segue com fim previsto para maio de 2024. Um mês atrás, a Celepar deu publicidade, no Diário Oficial, a uma alteração no documento “em razão da incorporação da Algar Soluções em TIC S/A. pela Vogel Soluções em Telecomunicações e Informática S/A”.
“A Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná – Celepar, informa que o processo de rescisão contratual iniciou em 12 de dezembro de 2022 e está em fase de conclusão. Sua instrução seguiu as disposições do Regulamento Interno de Licitações, Contratos e Convênios – RILC, desta Companhia. Nesse mesmo sentido, a empresa instaurou procedimento interno para apuração de responsabilidade contratual e aplicação de sanções, relacionado ao Contrato citado pelo interessado, o qual segue em tramitação”, informou a estatal.
A reportagem pediu acesso às informações do procedimento administrativo, mas a solicitação foi negada sob o argumento de que os procedimentos não foram finalizados e, portanto, seguem restritos às partes envolvidas.
A Algar foi apontada pela gestão do governador Ratinho Jr. e pela Celepar como responsável pelas falhas que levaram à disseminação, por meio de canais oficiais do estado, de um texto de ameaça a favor do ex-presidente Jair Bolsonaro em setembro do ano passado, dias antes do primeiro turno das eleições presidenciais. O conteúdo chegou a 324.818 números de celulares diferentes, todos cadastrados na base de dados do governo do Paraná. Muitos o receberam em nome do Detran.
A empresa mineira afirmou no decorrer de investigações levadas à Justiça Eleitoral que base do sistema utilizado para envio e recebimento de mensagens com o uso de credenciais válidas vinculadas à Celepar foi acessada indevidamente por um de seus funcionários. Segundo o relatado em processo, foram quatro disparos feitos em um intervalo de quatro horas entre os dias 23 e 24 de setembro. “Vai dar Bolsonaro no primeiro turno! Senao, vamos a rua para protestar! Vamos invadir o congresso e o STF! Presidente Bolsonaro conta com todos nos!! [sic]”, dizia o conteúdo.
As movimentações do servidor para enviar o SMS começaram dois dias antes de a ação ser executada.
Após o caso, a empresa ainda recebeu R$ 479.683,78 em pagamentos da Celepar. Os últimos repasses foram feitos em janeiro – quatro meses após o escândalo e um mês depois de iniciado o processo de rescisão contratual. Conforme o Portal da Transparência, a estatal, no entanto, também tem um segundo contrato vigente com a Algar Soluções em TIC S/A – de prestação de serviços de conexão IP –, e a forma de publicação dos extratos de pagamento no sistema do governo não permitem identificar a qual documento está vinculado cada nota. A reportagem questionou a Secretaria da Fazenda sobre a descrição das notas, mas não obteve retorno.
Processos
Na Justiça Eleitoral do Paraná ainda tramita a ação de investigação para apurar suposto crime eleitoral praticado com o envio das mensagens. Na primeira decisão sobre o caso, assinada no dia seguinte aos disparos, o ministro Benedito Gonçalves considerou que tanto o governo do Paraná quanto a Celepar “vieram a público, não apenas para repudiar o uso ilícito dos disparos de mensagens em massa, como também para informar o nome da empresa terceirizada que executou os disparos e as providências já adotadas para dar início à apuração de responsabilidade”, motivo pelo qual não foram determinadas medidas contra o Executivo e a companhia.
Já a Justiça Federal de Minas Gerais analisa pedido de indenização de R$ 970 milhões proposto pelo Ministério Público Federal do estado (MPF-MG) contra a Algar e a Celepar por violação aos direitos e aos dados pessoais de cidadãos cadastrados nos canais do Paraná cujas bases foram acessadas pelo autor das mensagens. A ação civil pública sustenta que a manipulação de “dados extremamente sensíveis” para enviar as mensagens de texto “revela não só um incidente de segurança como, repita-se, a utilização indevida dos dados pessoais dos titulares. Certo é que os fatos revelam lesão direta ao Direito Fundamental da Proteção de Dados dos titulares, seja pela ótica da Lei 13.709/18, chamada Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), seja pela ótica do Código de Defesa do Consumidor e de vários outros diplomas legais”. A última movimentação do processo foi em janeiro.
Em dezembro do ano passado, a Celepar contratou uma empresa para prestar “serviço de investigação técnica de incidente de segurança da informação” no caso Algar. A Ernst & Young Assessoria Empresarial foi admitida sem licitação para executar os procedimentos, a um valor de R$ 475.598. O contrato se encerra no próximo dia 28. A estatal afirmou, contudo, que a íntegra da auditoria, bem com seus resultados foram classificados como documentos de acesso reservado (segredo industrial) e serão utilizados apenas nos processos judiciais pertinentes.
Procurada, a Algar afirmou não ter havido vazamento de dados pessoais. Em nota, a empresa da Minas Gerais afirmou ainda que “registrou o fato perante as autoridades competentes para investigação, colaborou de forma ativa e aguarda por sua conclusão”.
Fonte: Jornal Plural